Das montanhas aos oceanos: o caminho dos sedimentos transportados pelos rios Amazônicos

Das montanhas aos oceanos: o caminho dos sedimentos transportados pelos rios Amazônicos

3 de março de 2021 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Hugo Fagundes

Compreender o caminho dos sedimentos (fragmentos de rocha que compõem o solo) é importante por diversas razões. Algumas delas são as relações existentes entre os sedimentos e a produtividade agrícola, a manutenção de diversas espécies e ecossistemas, a diminuição da vida útil de reservatórios (como de hidrelétricas) e o assoreamento de rios. A América do Sul está entre as regiões do mundo que mais transportam sedimentos. O rio Amazonas é aquele que exporta a maior carga (cerca de 44%) do total de sedimentos que chegam aos oceanos. Como apresentado anteriormente no texto de Alice Fassoni-Andrade (Mapeando os sedimentos dos rios e lagos das planícies amazônicas a partir do espaço), a presença dos sedimentos nesse rio e em seus afluentes tem grande importância para a distribuição e riqueza de espécies da fauna e da flora e também para a fertilidade do solo observada nas planícies de inundação amazônicas.

          

Fluxo mensal de sedimentos em suspensão nos rios da América do Sul, em toneladas por dia. A escala de cores apresenta valores em escala logarítmica na base 10, ou seja, 10 elevado aos valores da escala. Fonte: Fagundes et al., 2021

         Então como os sedimentos saem das montanhas e chegam aos Oceanos? Tudo se inicia quando chove. A chuva vai desagregar a partícula do solo e a partir daí a água que escoa das encostas vai transportar essas partículas de sedimento até o curso d’água mais próximo, que pode ser um rio, que vai encontrar outro rio, e essa partícula vai sendo levada pela água até chegar nos Oceanos (ou ela fica depositada pelo caminho, como veremos a seguir).

         

Grandes rios Amazônicos; taxa de denudação: tempo com que a camada de solo vai diminuindo; e descarga sólida: quantidade de sedimentos que um trecho de rio transporta em um dado período. Fonte: Fagundes et al.,, 2021

          A região Andina (uma cadeia de montanhas na região oeste do continente) é aquela que apresenta a maior taxa de denudação, isto é, o tempo com que a camada superficial do solo vai diminuindo. Isto faz desta região a principal fonte de sedimentos para os rios amazônicos; podemos chamá-la de zona geradora. As regiões com menores declividades (tons de verde escuro) são as principais responsáveis pelo transporte dos sedimentos; podemos chamá-las de zonas de transporte. As regiões mais planas (tons de verde claro) e as áreas inundáveis são aquelas em que ocorre a maior deposição dos sedimentos; podemos chamá-las de zonas de deposição.

          O rio Solimões e o rio Madeira são os principais transportadores dos sedimentos, com cerca de 50% da quantidade que chega à foz do rio Amazonas sendo proveniente do rio Madeira. Já o rio Negro (um rio de águas negras), que transporta um grande volume de água, transporta uma quantidade de sedimentos bem inferior a rios menores do que ele, como os rios Japurá, Purus e Juruá. Os rios Tapajós e Xingu, que são rios de águas claras, também transportam uma quantidade de sedimentos menor. 

          As planícies de inundação da bacia Amazônica são as principais responsáveis pela retenção dos sedimentos em suspensão. Na figura abaixo identificamos com pontos amarelos algumas das principais planícies inundáveis da Amazônia. As concentrações de sedimentos em suspensão nos rios geralmente diminuem após essas regiões, o que tem grandes implicações para a manutenção e dinâmica dos ecossistemas locais. As planícies que mais retêm sedimentos são aquelas localizadas próximas aos Andes, além das planícies da Amazônia Central, após a confluência do rio Negro com o rio Solimões. Além disso, à medida que as vazões dos rios (isto é, o fluxo de água nos rios) aumentam, a concentração de sedimentos tende a diminuir, pois os sedimentos vão sendo diluídos. 

Média anual da quantidade de sedimentos em suspensão depositada nas principais planícies de inundação da Amazônia. A cor dos rios indica a  concentração média diária de sedimentos em suspensão (CSS) naquele trecho, e a espessura dos rios indica a vazão (Q) do trecho.

          Assim, o caminho dos sedimentos desde as montanhas até os oceanos é longo e nem todos conseguem alcançar a costa. Em todo esse caminho, os sedimentos são importantes “alimentos” para os rios que auxiliam na manutenção dos ecossistemas. Por isso, em trabalhos futuros, pretendemos avaliar os impactos da ação do homem e das mudanças climáticas no transporte de sedimentos.

 

Ciência se faz com parceria

         Os resultados apresentados neste texto foram obtidos a partir do trabalho “Sediment flows in South America supported by daily hydrologic‐hydrodynamic modeling” publicado na revista Water Resources Research em 2021 (ver lista de materiais abaixo). Esses resultados são parte da pesquisa realizada por Hugo de Oliveira Fagundes durante o curso de doutorado no Programa de Pós Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação dos professores Fernando Fan e Rodrigo Paiva. Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do governo federal através de uma bolsa de doutorado do CNPq.

Quer saber mais? 

Fagundes, H. D. O., Fan, F. M., Paiva, R. C. D., Siqueira, V. A., Buarque, D. C., Kornowski, L. W., … & Collischonn, W. (2021). Sediment flows in South America supported by daily hydrologic‐hydrodynamic modeling. Water Resources Research, 57(2), e2020WR027884. (acesse aqui)

Fassoni-Andrade, A. C. & Paiva, R. (2019). “Mapping spatial-temporal sediment dynamics of river-floodplains in the Amazon.” Remote Sensing of Environment, 221: 94-107. (acesse aqui)

Filizola, N., Guyot, J.-L., Wittmann, H., Martinez, J.-M., de, E., (2011). The Significance of Suspended Sediment Transport Determination on the Amazonian Hydrological Scenario. Sediment Transp. Aquat. Environ. (acesse aqui)

Filizola, N., Guyot, J.L., 2011. Fluxo de sedimentos em suspensão nos rios da Amazônia. Rev. Bras. Geociências 41, 566–576. (acesse aqui)

Latrubesse, E.M., Stevauc, J.C., Sinha, R., 2005. Tropical rivers. Geomorphology 70, 187–206. (acesse aqui)

 

Hugo é Engenheiro Ambiental (UFES), mestre e doutorando em recursos hídricos e saneamento ambiental (UFRGS). Veja mais no Grupo de Pesquisa em Hidrologia de Grande Escala, Plataforma Lattes, ResearchGate e LinkedIn