História de um templo afro-religioso na Amazônia

História de um templo afro-religioso na Amazônia

1 de abril de 2021 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Danilo Barbosa Ferreira

Neste texto vou te apresentar um terreiro afro-religioso que tem mais de 130 anos de história, é o mais antigo em funcionamento no Estado do Pará: o Terreiro de Mina Dois Irmãos. Uma das principais características dessa casa é que apenas mulheres lideram o terreiro durante mais de um século de existência. Estudar as transições entre as gerações foi meu principal objetivo, porém, o foco maior foi na transição da terceira para a quarta geração.
          O Dois Irmãos foi fundado em 23 de agosto de 1890, por uma negra de nome Josina. Mãe Josina teve sua história escrita pela professora Taissa Tavernard (veja mais aqui), segundo a professora, não temos tantas informações sobre Josina, mas sabe-se que veio do Maranhão, provavelmente da cidade de Codó. Mãe Josina de Toy Averequete fundou o Tambor de Santa Bárbara, que ficou aberto até seu falecimento.
          A casa passou anos fechada para grandes rituais, apenas os festejos de São Benedito – homenageado no vodum (nome das entidades do panteão jeje) Toy Averequete – aconteciam nesse período. Certa vez Toy Averequete informou que uma mulher apareceria para pedir autorização para realizar a festa do seu santo e deveriam abrir o barracão, pois essa seria a reabertura da casa, essa informação quem me contou foi Mãe Eloisa Oliveira, quarta geração da casa.

Terreiro de Mina Dois Irmãos. 2019. Foto Danilo Barbosa (acervo particular).

          A senhora Carmelina Amâncio Neto, a Mãe Amelinha, filha de santo de Josina, foi a responsável por pedir autorização para fazer a festa do seu santo, São José, reverenciado em Dom José Rei Floriano. Claro que a autorização fora concedida, não só para a festa de São José, mas para outros toques. Amelinha tornou-se a segunda geração de liderança e iniciou a linhagem uterina. Em entrevista, a bisneta de Mãe Amelinha, Elizabeth Oliveira, me contou que o terreiro passou a ser chamado de “Dois Irmãos” em homenagem aos chefes de crôa de Mãe Josina e Mãe Amelinha, respectivamente,  Toy Averequete e Dom José Rei Floriano.

Danilo Barbosa (autor deste estudo) e as lideranças do Terreiro de Mina Dois Irmãos; Foto: Danilo Barbosa (acervo pessoal).

          No período em que Mãe Amelinha foi a responsável pelo Mina Dois Irmãos, muitos afazeres do barracão eram responsabilidade de membros de sua família, dentre filhos e netos. Como sucessora de Mãe Amelinha foi escolhida a sua filha de sangue, Luiza Ninfa de Oliveira. Mãe Lulu ainda está viva e, embora esteja de avançada idade, a mesma ainda participa de todas as cerimônias do terreiro, além de festividades em outros espaços; junto com Mãe Lulu, está Eloisa, que está se tornando a quarta geração no terreiro, responsável pelos afazeres administrativos e religiosos da casa centenária.

Mãe Eloisa. 2020. Foto: Danilo Barbosa (acervo pessoal).

 A passagem de sucessão de Mãe Lulu para Mãe Eloisa foi o principal foco da minha pesquisa, onde ela se separou de todas as outras que já foram feitas. Até hoje, analisando comentários e realizando entrevistas, pude notar que a transição não foi tão harmônica quanto parece, nem tudo que aconteceu na “camarinha” foi exposto ao “salão”. 

          A pesquisa já apresenta alguns resultados sólidos, sobretudo as visões que algumas pessoas têm sobre a casa. No que diz respeito ao seu futuro, testemunhas oculares me disseram que existiam pelo menos duas pessoas cotadas para assumir o Dois Irmãos após o falecimento de Mãe Lulu: Elizabeth Oliveira e Eloisa Oliveira. No entanto, a Elizabeth foi deixada de canto para que a linhagem uterina permanecesse sem alterações. Para os mais pessimistas, a casa fechará com o falecimento de Lulu. Esses relatos estão em meu texto que pode ser acessado aqui

          Para concluir, ressalto que a pesquisa não é parcial no seu desenvolvimento, tampouco nas suas análises. Além do mais, meu objetivo é estudar todos os arranjos que se formaram durante a transição das zeladoras, tendo como principal objetivo construir a narrativa sobre a história do Dois Irmãos, suas singularidades e importâncias, mesmo que para isso seja necessário perpassar por alguns conflitos. Finalizo destacando que a pesquisa continua durante o meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade do Estado Pará, onde analiso a relação entre herança e hereditariedade, a influência da família de sangue na família de santo.

 

Ciência se faz com parceria

          A minha pesquisa sobre afro-religiosidade em Belém é desenvolvida há mais de 5 anos, é oriunda da primeira disciplina que cursei na faculdade de História, em 2015. Mesmo que fosse apenas para avaliação disciplinar, aos poucos ela foi criando suas características e se tornou independente da faculdade. Durante esses anos de pesquisa fui orientado pela professora Taíssa Tavernard de Luca, sobretudo sobre como atuar no campo e os caminhos a percorrer como um jovem pesquisador. Como estou falando de parceria, não posso deixar de mencionar Mãe Eloisa e todos que em 2015 abriram as portas da sua casa para me receber e seus arquivos para me contar parte da história de sua família. Elizabeth Oliveira também me recebeu para conversar sobre suas vivências no Dois Irmãos.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

FERREIRA, Danilo Barbosa. Linhagem feminina no Terreiro de Mina Dois Irmãos: Estudo sobre os 130 anos de mulheres comandando a casa. In: Anais do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da PUC Campinas, 2020, Campinas. Anais Eletrônicos. São Paulo, PUC Campinas, 2020, p. 41 – 42. (acesse aqui)  

LUCA, Taissa Tavernard de. Revisitando o Tambor das Flores a Federação Espirita e Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará como Guardiã de uma Tradição. Orientador: Dra. Maria do Carmo Tinoco Brandão. 2003. 174 f. Dissertação (Pós Graduação em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003. (acesse aqui)

FERREIRA, Danilo Barbosa. Linhagem feminina no Terreiro de Mina: estudo sobre a sucessão da liderança do terreiro de Mina Dois Irmãos – Guamá. 2019. Monografia (Graduação em Licenciatura em Hustória) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. (acesse aqui)  

VERGOLINO, Anaíza; Tavernard, Taissa. A trajetória das religiões afro-brasileiras em Belém do Pará na versão do povo-de-santo: um caso para a história oral. Org. CAMELO, Marco Antonio da Costa. Et al. In: Sociedade e saberes da Amazônia. Belém: EDUEPA, 2018. (acesse aqui)

Danilo Barbosa Ferreira é historiador, formado pela Universidade do Estado do Pará – UEPA. Discente do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião – PPGCR / UEPA. É membro do Grupo de Estudo Religiões de Matriz Africana na Amazônia. Desenvolve pesquisas nas áreas de hereditariedade e linhagem na afro-religiosidade. Veja mais na Plataforma Lattes