Infraestruturas de pesquisa na Amazônia: como a realidade das mudanças climáticas é constituída?

Infraestruturas de pesquisa na Amazônia: como a realidade das mudanças climáticas é constituída?

10 de junho de 2021 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Adriano Premebida

No âmbito dos projetos de pesquisa sobre mudanças climáticas na Amazônia, as relações estabelecidas entre infraestrutura e produção do conhecimento científico não é evidente. Pensando nisso, é justificável a pergunta sobre como os suportes materiais ajudam a produzir dados, testar hipóteses e gerar teorias sobre o funcionamento desta entidade social e biológica. Esta é uma questão difícil, mas tentarei apontar alguns elementos a partir de pesquisa em andamento no âmbito do projeto AmazonFACE. Quando indico as mudanças climáticas na Amazônia, existe certo nível de pontos obscuros quanto às exigências em equipamentos e estruturação de complexas redes sociotécnicas. Apesar de suas materialidades, a percepção das infraestruturas não é automática até que alguma ruptura, defeito ou erro aconteça. A infraestrutura entendida aqui é um conjunto de equipamentos, sistemas e serviços para suporte de operações de coleta, transmissão e armazenagem de informações e dados, manutenção de condições ideais de parâmetros experimentais em ambientes controlados ou no interior de equipamentos portáteis relacionados a investigações sobre mudanças climáticas. Utilizei-me de exemplos mais corriqueiros de sistemas e equipamentos presentes em muitos sítios experimentais e laboratórios, mas o leque é vasto, podendo ir de equipamentos de geração de imagens, radares, torres, sensoriamentos diversos, captação de gases, microscopia, telemetria, espectroscopia, entre outros.

Torre de medição/instrumentação, projeto Amazonface. João M. Rosa/AmazonFACE

Primeira foto: captação de gases atmosféricos através de sobrevoo de aeronave com espectrômetro de cavidade ressonante do tipo “ring-down”, utilizado no âmbito do projeto ATTO. Foto do autor. Segunda foto: Radar do projeto GoAmazon (Amazonas, Brasil). Foto ARM User Facility.

          As pesquisas que modelam cenários de regimes hidrológicos, relações tróficas, conexões ecológicas, mudanças climáticas e impactos socioambientais para subsidiar planejamento de políticas públicas ou mitigação/adaptação de regiões em áreas vulneráveis (serviços ambientais) constituem tendências no Brasil, principalmente na região amazônica. A demanda por participação efetiva de cientistas sociais nessas pesquisas interdisciplinares representa um potencial importante para a área. 

          Dados de programas ou projetos de pesquisa relacionados – direta ou indiretamente – a mudanças climáticas na Amazônia são a junção das relações da infraestrutura e a coprodução da realidade científica. Esta se desdobra para outras instâncias, moldando imagens e relevâncias de entidades físicas, biológicas e sociais. Os sensores de fluxo de seiva de árvores do projeto Amazonface, o microcosmos do ADAPTA, os radares do GoAmazon, as torres do LBA e ATTO, instituem uma nova forma de apreender e, depois, organizar os processos de representação e comunicação coletiva sobre árvores, proteômica de peixes, nuvens e aerossóis orgânicos.

Os desafios das pesquisas na área de infraestrutura são muitos, mas os maiores seriam inserção e tempo de pesquisa de campo, trabalho em redes multi e interdisciplinares e recursos financeiros para trabalhos empíricos relevantes.

Verificação de um sistema de fluxo de seiva em Plot do projeto AmazonFACE. Foto: João M. Rosa/AmazonFACE

         

          As infraestruturas configuram relações sociais, estabilizam hierarquias e ensejam a emergência de práticas sociais, espaços de convívio, fluxo e trocas de bens e informações. Elas constituem pontos de conexão material e são asseguradas por regimes legais e normativos, sistemas políticos e econômicos, atividade institucional e uma heterogeneidade de práticas estabelecidas, formalizadas ou tácitas. O sistema nacional de ciência e tecnologia não foge a isso e, dependendo das suas articulações de interesses com atores institucionais, mudanças políticas, educacionais e bases da produção econômica, a infraestrutura que lhe dá suporte e incorpora visões de mundo cede e configura-se de outra forma, instituindo novas realidades ou, de uma forma negativa, limitando-as.

Ciência se faz com parceria

        Essa pesquisa iniciou como parte do meu estágio pós-doutoral no programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGS/UFRGS e faz parte do componente socioeconômico do projeto de pesquisa AmazonFACE. Em conjunto com uma equipe interdisciplinar de diversas partes do mundo temos a participação de Aline Radaelli, Frederico Salmi e Júlia Menin, realizando estudos de mestrado e doutorado no PPGS/UFRGS e Jalcione Almeida e Lorena Fleury, docentes e pesquisadores do mesmo programa. Esta pesquisa conta com financiamentos da CAPES, CNPq, FAPEAM e FAPESP. Agradeço o apoio de Bruno Takeshi e Lucia Oliveira, ambos da FDB, pelas conversas de campo e ideias que ajudaram a esta pesquisa.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Lapola, D., Pinho, P., Quesada, C.A., Strassburg, B., Rammig, A., Kruijt, B,. Brown, F., Ometto, J., Premebida, A., Marengo, J., Vergara, W., Nobre, C. Limiting the high impacts of Amazon forest dieback with no-regrets science and policy action. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA 115: 11671-11679, 2018. (acesse aqui)

Miguel, J. Perspectivas das infraestruturas: organização, conhecimento e poder. Pensata, vol. 9, n. 2, 2020.  (acesse aqui)

Star, S.L., Ruhleder, K. Steps toward an ecology of infrastructures: Design and access for large information spaces. Information Systems Research, vol. 7(1), 1996. (acesse aqui)

Adriano Premebida possui doutorado em Sociologia pela UFRGS. Atua na área dos Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias e atualmente está vinculado ao grupo TEMAS/UFRGS. Veja mais na Plataforma Lattes.