Registros do passado e conexões entre os Andes e Amazônia em testemunhos de gelo

Registros do passado e conexões entre os Andes e Amazônia em testemunhos de gelo

11 de março de 2021 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Rafael Reis

Dos pontos mais altos na América do Sul estão registradas nas geleiras dos Andes inúmeras informações que ajudam na reconstrução do passado do clima da região amazônica. Tais informações são obtidas através do registro em testemunhos de gelo. Um testemunho é uma amostra em formato cilíndrico de gelo (Figura 1), proveniente de uma campanha de perfuração (Figura 2) em uma geleira, sendo a forma mais direta e detalhada de investigar as condições climáticas e atmosféricas passadas. A neve que cai sobre as geleiras se acumula anualmente e armazena informações importantes sobre as concentrações atmosféricas de aerossóis (pequenas partículas suspensas em um gás), cinzas vulcânicas, bolhas de gases, poluentes antropogênicos (ou seja, derivados de atividades humanas), entre outras variáveis.

Figura 1: Testemunho de gelo extraído durante campanha à geleira Illimani (Bolívia). Fonte: Arquivo pessoal Dr. Filipe Lindau.

          A análise da variabilidade dessas concentrações pode revelar as mudanças climáticas do passado que ocorreram há centenas ou milhares de anos. A partir desses registros, os testemunhos de gelo podem ser usados para reconstrução do clima do passado, mostrando informações sobre: temperatura, intensidade da circulação atmosférica, quantidade de acumulação de neve, quantidade de poeira atmosférica, ocorrências de erupções vulcânicas, produtividade biológica amazônica, assim como, quantidade de queimadas das florestas.

          Estudos nos Andes Tropicais revelam as mudanças de circulação atmosférica, precipitação, entre outros, que ocorrem devidos aos fenômenos naturais e/ou atividades antropogênicas. Os principais registros andinos estão localizados no Equador (Chimborazo), Peru (Huascarán e Quelccaya), Bolívia (Illimani e Sajama) e Chile (Figura 3). Exemplos dos registros de fenômenos naturais são:

  • Identificação da ocorrência do fenômeno de oscilação El-Niño (entenda aqui), que modifica a circulação atmosférica e o regime de precipitação na Amazônia e nos Andes.
  • Identificação das mudanças desde o último máximo glacial (há aproximadamente 20 mil anos). Este período corresponde à maior extensão de gelo durante o último período glacial.
  • Identificação de períodos de oscilações bruscas, como Younger Dryas, também chamado de Dryas recente (aproximadamente 11 mil anos) e a Pequena Idade de Gelo (período por volta de 1500-1800 D.C.). 

Figura 2: Perfuradora para extração de testemunho de gelo. Fonte: Arquivo pessoal Dr. Filipe Lindau.

          Desde meados da década de 70 do século passado, as geleiras dos Andes vêm sendo monitoradas. Dentre as alterações mais significativas está a diminuição do volume de gelo das principais geleiras no continente, indicando que as mudanças climáticas afetam diretamente o seu tamanho e extensão. Neste contexto, os cenários atuais projetam uma diminuição drástica do volume das geleiras andinas, isto é, uma redução do seu tamanho que pode culminar com seu desaparecimento até o fim deste século (confira mais informações aqui). Na busca do entendimento da dinâmica climática registrada nas geleiras, o grupo de pesquisa da UFRGS (Centro Polar e Climático – CPC), em parceria com outros grupos, também se dedica à pesquisa com testemunhos de gelo diretamente nas geleiras Illimani e Quelccaya.

         Os mecanismos que envolvem as conexões do passado e presente entre os Andes e a Amazônia são de grande importância para o entendimento da distribuição de chuvas e o ciclo hidrológico da região. Porém, além do transporte de umidade, a Amazônia exporta material biogênico (ou seja, produzido pela ação de organismos vivos) em aerossóis através dos ventos do leste durante os períodos de chuva (principalmente durante o verão no Hemisfério Sul). As concentrações desses aerossóis também permanecem registradas nos testemunhos de gelo andinos e ajudam a compreender as mudanças de circulação atmosférica através da contribuição maior ou menor dos aerossóis de origem amazônica.

         Entretanto, aspectos culturais e antropológicos também estão registrados nos testemunhos de gelo andinos. Exemplo disso é a identificação de registros de metalurgia e de fundição ligados ao cobre em sociedades pré e pós-coloniais observadas durante os últimos 6.500 anos (leia mais aqui), assim como a queima de biomassa (queimadas) através do registro no Holoceno por concentração Carbono Negro (veja aqui).

         Na recente expedição à Calota de gelo Quelccaya do CPC-UFRGS em 2018, o grupo relata as dificuldades que impediram a extração de um testemunho mais profundo e as alterações causadas pelas mudanças climáticas na região (saiba mais acessando esta matéria da revista Piauí). Um dos objetivos dessa investigação é entender a variação da concentração de poeira atmosférica que durante a década de 1970 tiveram um aumento de concentração considerável (Figura 4). Os resultados dessa recente investigação estão em fase final e serão publicados em breve.

Figura 3: Principais geleiras localizadas nos Andes na América do Sul. Fotos extraídas e modificadas de Vimeux & Ginot 2006.

Figura 4: Evolução da concentração de partículas sólidas em aerossóis durante o período de 1850-2000 no testemunho de gelo da geleira Quelccaya (Peru). Nota-se um aumento na concentração durante as últimas décadas.

 

Ciência se faz com parceria

          O Centro Polar e Climático da UFRGS conta com pesquisadores(as) de diversas áreas e com colaboradores(as) de Instituições Nacionais e Internacionais (confira aqui).  Um dos seus principais programas, o PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro) recebe o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com recursos através do CNPq.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Baker, P. A., Fritz, S. C. (2015). Nature and causes of Quaternary climate variation of tropical South America. Quaternary Science Reviews, 124, 31-47. (acesse aqui)

Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – CPC UFRGS. (acesse aqui)

Eichler, A., Gramlich, G., Kellerhals, T., Tobler, L., Rehren, Th,  Schwikowski, M. (2017). Ice-core evidence of earliest extensive copper metallurgy in the Andes 2700 years ago. Scientific Reports Rep 7, 41855. (acesse aqui)

Lindau, F. G. L., Simões, J. C., Ribeiro, R. D. R., Ginot, P., Delmonte, B., Baccolo, G., Kutuzov, S., Maggi, V., Ramirez, E. 2020. Dust record in an ice core from tropical Andes (Nevado Illimani – Bolivia), potential for climate variability analyses in the Amazon basin, Climate of the Past Discussion. (acesse o preprint aqui)

Osmont, D., Sigl, M., Eichler, A., Jenk, T. M., Schwikowski, M. (2019) A Holocene black carbon ice-core record of biomass burning in the Amazon Basin from Illimani, Bolivia, Climate of the Past, 15: 579–592, (acesse aqui)

Thompson, L. G., Mosley-Thompson, E., Bolzan, J. F., Koci, B. R. (1985). A 1500-year record of tropical precipitation in ice cores from the Quelccaya ice cap, Peru. Science, 229(4717): 971-973. (acesse aqui)

Thompson, L. G., Mosley-Thompson, E., Davis, M. E., Zagorodnov, V. S., Howat, I. M., Mikhalenko, V. N., Lin, P. N. (2013). Annually resolved ice core records of tropical climate variability over the past ~1800 years. Science, 340(6135): 945-950. (acesse aqui)

Yarleque, C., Vuille, M., Hardy, D.R., Timm, O. E., De la Cruz, J., Ramos, H., Rabatel, A. (2018). Projections of the future disappearance of the Quelccaya Ice Cap in the Central Andes. Scientific Reports 8, 15564. (acesse aqui

Rafael Reis é Geólogo e Mestre em Geociências pela UFRGS. Atualmente é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geociências na UFRGS. É também pesquisador do CPC-UFRGS, onde realiza sua pesquisa sobre micropartículas no testemunho de gelo recente coletado em 2018.

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