A busca por serpentes em áreas remotas da Amazônia

05 de maio de 2021 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Luciana Frazão

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo. Está relacionada ao funcionamento de diversos serviços ecossistêmicos, na região e fora dela, como por exemplo, a disponibilidade de chuvas no sudeste e sul do Brasil, e apresenta uma riqueza inestimada de espécies de plantas, fungos e animais. A herpetofauna (ramo da zoologia dedicado ao estudo de répteis e anfíbios) da região Neotropical, em especial da região amazônica, é considerada uma das mais ricas do mundo. Somente na Amazônia brasileira, 189 espécies de serpentes são conhecidas. Esse número de espécies aumenta continuamente à medida que novas localidades são acessadas e novas espécies são descritas. Enquanto algumas regiões têm sido bastante estudadas, como o Estado do Pará e a Amazônia Central, outros lugares permanecem desconhecidos.  Portanto, o número de espécies deve ser ainda maior, ou seja, é subestimado, já que muitas áreas da Amazônia ainda são inexploradas devido ao difícil acesso e baixos investimentos em pesquisa.

         A falta de acesso a informações sobre a distribuição geográfica das espécies, ou seja, a área onde as espécies ocorrem, acaba gerando o que é definido como “deficit Wallaceano”.

Deficit Wallaceano é um termo que foi criado em homenagem a Alfred Russel Wallace (1823-1913), naturalista britânico, geógrafo, antropólogo e considerado pai da zoogeografia. Em um bioma tão grande e de características já citadas como a Amazônia, muitas espécies possuem características que dificultam a sua amostragem e acabam ampliando o deficit Wallaceano, como é o caso das serpentes.

          As serpentes são animais que, na maioria das espécies, apresentam hábitos crípticos, ou seja, se camuflam muito bem. Além disso, as serpentes são silenciosas , diferentes dos sapos e aves, por exemplo, que se comunicam muito por meio de vocalizações. Serpentes não vocalizam, ou seja, elas são mestres em passarem despercebidas. Essas características tornam muito difíceis os métodos de amostragem de serpentes, ainda mais em um bioma tão vasto e denso como a Amazônia. 

          Dessa forma, levantamentos ou inventários de fauna  são importantes ferramentas para gerar conhecimentos básicos sobre a diversidade regional e distribuição espacial das espécies na Amazônia, sendo essenciais para a tomada de decisões e formulação de políticas de conservação. Por isso, realizamos um estudo que teve como objetivo aumentar o conhecimento sobre a distribuição geográfica e diversidade de espécies de serpentes em áreas inexploradas por pesquisadores(as) na Amazônia. Buscamos especificamente informações sobre a ecologia de comunidades de serpentes, como padrões de composição (ocorrência das espécies), riqueza (número de espécies) e abundância (estimativa de número de indivíduos) em diferentes locais 

          Para isso, acessamos seis localidades remotas na Amazônia brasileira por meio de expedições de barcos (veja a figura abaixo) que duravam em média 30 dias em cada local.  As expedições ocorreram no Rio Japurá, Rio Negro, Rio Jatapú, Rio Purus, Rio Trombetas e Rio Tapajós e renderam boas histórias, além de muitos registros legais de serpentes.

Mapa da área de estudo com destaque para as seis localidades onde foram realizados os registros de serpentes na Amazônia.

As expedições para realizar as amostragens de serpentes na pesquisa duravam 30 dias e o barco ,além de meio de transporte, também era nossa hospedagem pelo período. Rio Purus, Amazonas. Foto: Acervo Projeto Sisbiota.

       Utilizando métodos de amostragens complementares, conseguimos registrar o total de 249 indivíduos e 70 espécies de serpentes. A jararaca, espécie Bothrops atrox (veja na figura abaixo), foi a mais comum em todas as localidades amostradas, um padrão já conhecido para o bioma amazônico. Já dentre as espécies mais raras, encontramos uma falsa-coral, espécie Pseudoboa martinsi (figura abaixo), que inclusive foi o primeiro registro desta espécie na região de Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas (veja o mapa, é a localidade nº 2). Além de espécies conhecidas, registramos três exemplares de espécies que não conseguimos identificar, mesmo sendo especialistas em herpetologia e consultando literatura especializada. Será que vem alguma espécie nova por aí? Vamos precisar investigar mais a fundo para termos certeza.

A espécie de serpente mais abundante nas áreas amostradas na Amazônia foi a jararaca-do-norte, Bothrops atrox. Foto: Luciana Frazão.

Dentre as espécies consideradas raras, registramos durante a pesquisa uma falsa-coral, Pseudoboa martinsi, sendo o primeiro registro desta espécie na região de Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas. Foto: Luciana Frazão.

          Os diferentes grupos de serpentes em cada uma das áreas amostradas, apresentaram uma variação grande de composição das espécies. Isso significa que há uma forte heterogeneidade nas assembleias de serpentes da Amazônia com um alta substituição de espécies indicada por análises específicas, ou seja, nenhum grupo de serpentes em uma área é parecido com o de outra área. No entanto, é importante considerar que essa alta rotatividade de espécies está parcialmente relacionada com diferenças na riqueza de espécies entre as localidades de amostragem e também pode estar relacionada à ampla escala espacial de nosso estudo, o que implica em  uma grande variação nas características ambientais de local para local, e portanto, também de espécies.

          Nossa pesquisa aprofundou o conhecimento sobre a herpetofauna amazônica. Após visitarmos seis localidades, registramos 37% das espécies conhecidas de serpentes na Amazônia brasileira. Sem dúvida, o potencial para descobrir e descrever  novas espécies é alto, dado que registramos espécies raras de serpentes e algumas ainda estão em fase de identificação, podendo ser inclusive novas espécies. Além disso, nossos resultados destacam ainda mais a importância de levantamentos de fauna padronizados em áreas menos amostradas no bioma amazônico, assim podemos obter mais informações sobre os padrões de distribuição geográfica (reduzindo o deficit Wallaceano) e de diversidade desses animais que causam tanto fascínio.

 

Ciência se faz com parceria

        Os resultados apresentados neste texto são parte da pesquisa realizada por Luciana Frazão durante o curso de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biodiversidade da Amazônia Legal – PPG BIONORTE, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A orientação foi do Prof. Dr. Tomas Hrbek e coorientação do Prof. Dr. Igor Kaefer. Esta pesquisa é parte de um estudo mais amplo, que contou com o apoio financeiro do governo federal, através do projeto “Projeto Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade Diversidade filogenética da Amazônia” – Sisbiota BioPHAM/CNPq (563348/2010), coordenado por Prof. Dra. Izeni Pires Farias da UFAM.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Frazão, L., Oliveira, M. E., Menin, M., Campos, J., Almeida, A., Kaefer, I. L., Hrbek, T. (2020). Species richness and composition of snake assemblages in poorly accessible areas in the Brazilian Amazonia. Biota Neotropica, 20(1). (acesse aqui)

Galileu Ciência. Quem foi Alfred Wallace, um dos pais da seleção natural (acesse aqui)

Lemes, P., Faleiro, F. A. M. V., Tessarolo, G., Loyola, R. D. (2011). Refinando dados espaciais para a conservação da biodiversidade. Natureza & Conservação, 9(2), 240-243. (acesse aqui)

Luiz, L. F. (2017). New record and revised distribution map of Pseudoboa martinsi Zaher et al., 2008 (Serpentes: Colubridae: Dipsadinae) in the state of Amazonas, Brazil. Herpetology Notes, 10, 193-195. (acesse aqui)

NatGeo Ilustra Amazônia. Amazônia é megabiodiversa. O quanto? Ninguém sabe. (acesse aqui)

Luciana Frazão é bióloga (UFAM), mestre em Zoologia (MPEG /UFPA) e doutora em Biodiverisdade e Conservação (PPG-BIONORTE /UFAM). Atualmente trabalha no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica – CEPAM/ICMBio, onde auxilia na execução dos Planos de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção – PANs.

Veja mais na Plataforma Lattes e ResearchGate.

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