O Brasil possui a maior diversidade de mamíferos do planeta (são 752 espécies conhecidas). Alguns desses animais são mais bem estudados, dado o maior apelo conservacionista e interesse pela sociedade, destacando-se os felinos e os primatas. A carência de informações básicas sobre pequenos roedores e morcegos, por exemplo, é enorme. Apesar da alta diversidade de espécies de pequenos mamíferos, como roedores e morcegos, o fato de serem considerados menos carismáticos e menos conhecidos resulta em dificuldades na obtenção de recursos financeiros para estudos. O que implica também em entraves no avanço do conhecimento e da popularização de pequenos mamíferos para a sociedade. Contudo, mostramos aqui que espécies de pequenos roedores têm muito a “nos contar” sobre a história da Amazônia e sua bacia hidrográfica. Essas informações podem servir como base para políticas públicas que visem à conservação de nossa biodiversidade e seu uso racional pelas gerações de hoje e pelas futuras gerações de brasileiros e brasileiras.

Aqui apresentamos um pequeno roedor sul-americano conhecido popularmente como rato-de-espinho. Esse nome tem relação com a presença de pelos modificados no seu corpo, lembrando “espinhos” devido à rigidez, textura e largura.

 Ratos-de-espinho é como são chamados os roedores da família Echimyidae. Nossa pesquisa foi focada em ratos-de-espinho que pertencem ao gênero Makalata e estão amplamente distribuídos pela Amazônia. Apesar de sabermos pouco sobre a ecologia desses roedores, aparentemente eles são associados a ambientes alagáveis ou ripários (vegetação da beira de cursos d’água), alimentam-se principalmente de frutos e brotos, e podem apresentar boa capacidade de nado, apesar de não possuírem adaptações morfológicas evidentes para isso.

Em nossa pesquisa, investigamos as relações de parentesco de ratos-de-espinho que foram encontrados em diferentes regiões da América do Sul. Para investigar as relações de parentesco de espécies, cientistas geralmente utilizam dados genéticos, ou seja, de DNA, os quais são usados para gerar árvores filogenéticas. Quando dados fósseis são incluídos nas árvores filogenéticas, é possível estimar a data em que as espécies, populações e/ou indivíduos surgiram. Essa análise é chamada de datação molecular.

O resultado da árvore filogenética, combinada com datação molecular e dados de distribuição geográfica, mostrou que os roedores do gênero Makalata teriam surgido por volta de 9 milhões de anos atrás (durante o período geológico denominado Mioceno) na região do Escudo das Guianas, ao norte do Rio Amazonas.

De acordo com o conhecimento geológico da evolução da Bacia Amazônica, o Escudo das Guianas (localizado ao norte dessa bacia) e o Escudo Brasileiro (ao sul) são áreas antigas e estáveis. Ao passo que o Oeste Amazônico e a Amazônia Central tendem a apresentar uma história mais recente, onde existiu o Lago Pebas próximo aos Andes e, posteriormente, o Sistema Acre (à época do surgimento do gênero Makalata). O sistema Acre foi um sistema pântano-fluvial (uma mistura de áreas alagadas e rios) que originou a Bacia Amazônica, após o desaparecimento da área alagada com influência marinha conhecida como Lago Pebas. Além disso, há uma mistura de grupos evolutivos de Makalata mais antigos e mais recentes que ali teriam se estabelecido por vários mecanismos.

Através de uma árvore filogenética datada e de dados sobre as áreas de distribuição atuais dos indivíduos de uma espécie, é possível estimar as áreas que seus ancestrais foram ocupando. Esse tipo de análise é conhecida como análise biogeográfica. A biogeografia é a ciência que estuda o padrão de distribuição de organismos na Terra e as variações nesse padrão ao longo do tempo. Em estudos da área de biogeografia, frequentemente buscamos entender onde e quando determinada espécie teria surgido na história evolutiva. 

Nós investigamos a biogeografia desse gênero de ratos-de-espinho reconstruindo as áreas de distribuição ancestrais e os eventos que originaram novos clados. Clados são grupos de indivíduos, populações ou espécies que compartilham um ancestral comum. O surgimento de novas espécies ou clados pode ocorrer por eventos de dispersão e/ou eventos de vicariância. Eventos de dispersão são o conjunto de processos que possibilitam o estabelecimento de indivíduos de uma espécie num local diferente daquele onde viviam os seus progenitores. Ao passo que vicariância é o mecanismo evolutivo no qual uma área se fragmenta, pelo surgimento de uma barreira física que separa as populações de uma espécie, podendo levar ao surgimento de novas espécies.

Os resultados do nosso estudo revelaram que a origem desses roedores provavelmente ocorreu por dispersão do leste da Amazônia para o Escudo das Guianas no período de formação da Bacia Amazônica (durante o Sistema Acre) há cerca de 9 milhões de anos atrás. Posteriormente, surgiram dois grandes clados, os quais denominamos clado leste e clado oeste. Esses dois clados teriam surgido por dispersão, seguida de vicariância, entre as áreas do Escudo das Guianas e do Oeste da Amazônia durante a formação do Arco do Purus há cerca de 6 milhões de anos atrás.