Novas espécies de corujas da Amazônia e Mata Atlântica brasileiras

29 de abril de 2021 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Sidnei de Melo Dantas

Corujas são um dos grupos de aves mais populares e reconhecíveis, o que não quer dizer que elas sejam bem conhecidas do ponto de vista científico: Por serem em sua maioria noturnas, muitas espécies são difíceis de estudar, e têm distribuições geográficas restritas ou habitam regiões remotas e de difícil acesso. A América do Sul abriga cerca de 50 espécies de corujas, e poucas dessas espécies são bem conhecidas cientificamente. 

Da esquerda para a direita: Corujinha-de-Alagoas (Megascops alagoensis, foto de Gustavo Malacco); Corujinha-do-Xingu (Megascops stangiae, foto de Douglas Fernandes); Corujinha-de-Belém (Megascops ater, foto de Lucas Araújo).

O gênero (grupo de espécies com parentesco mais próximo) mais numeroso de corujas da América do Sul é o Megascops, conhecidas no Brasil popularmente como corujinhas. São cerca de 20 espécies espalhadas pela maior parte do continente, e com coloração muito semelhante entre si. Isso dificulta o reconhecimento dessas espécies, e pode estar escondendo uma diversidade nesse grupo maior do que se imagina. 

Um estudo recente realizado por mim, Sidnei Dantas, e colaboradores, em uma colaboração do Museu Paraense Emílio Goeldi e diversas instituições internacionais, baseado em dados genéticos, sugere que populações distintas de muitas espécies de Megascops podem ser divididas em espécies diferentes. Mesmo antes dos dados genéticos, já se suspeitava dessa diversidade escondida, mesmo com as semelhanças entre populações. Como? Através de diferenças no canto de populações distintas, observadas em várias espécies. Diferenças no canto entre populações de corujinha-relógio (Megascops usta) na Amazônia brasileira, portanto, levou ao nosso estudo de revisão taxonômica dessa e outras duas espécies parecidas, a corujinha-orelhuda (Megascops watsonii), também amazônica, e a corujinha-sapo (Megascops atricapilla), da Mata Atlântica. Essas três espécies são proximamente aparentadas entre si, e estudos anteriores apontaram que mais espécies poderiam estar envolvidas. E no final do estudo, o que achamos é que o número de espécies era o dobro do que se pensava anteriormente!

Para o nosso estudo, primeiro verificamos se havia diferenças genéticas entre populações dessas corujas com cantos diferentes, e qual o grau de diferença entre elas. Para isso, extraímos e sequenciamos DNA de tecido muscular de exemplares das três espécies de corujas, coletados no nosso e em outros estudos. E aqui um parênteses importante: o papel de expedições científicas e de coleções biológicas para o avanço da pesquisa e geração de conhecimento. 

Nossas análises revelaram seis grupos genéticos distintos, cada um habitando uma região diferente da Amazônia e da Mata atlântica (ver figura abaixo). A seguir, verificamos se havia diferença na morfologia (tamanho e coloração) e na vocalização das corujas  que pudesse distinguir esses seis grupos um do outro. A morfologia revelou pouca diferença entre os grupos, pois além de serem muito parecidas entre si, essas corujas apresentam muita variação individual, sendo possível encontrar cinco ou mais padrões de coloração numa mesma população, dificultando a descrição delas. A vocalização foi mais útil para separar as populações, embora muitas destas corujas possuam cantos parecidos.

As espécies de corujinhas do gênero Megascops reconhecidas pelo estudo de Dantas e colaboradores 2021. Mapa modificado de Willian Menq

Juntando as informações dos dados genéticos, da morfologia e dos cantos, nosso estudo propôs reconhecer cada uma das seis linhagens genéticas, ou seja, grupos genéticos, como uma espécie. Três dessas espécies continuaram com os nomes antigos (Megascops watsonii, M. usta e M. atricapilla). Uma quarta havia sido descrita mas não era reconhecida pela comunidade científica, tendo um nome científico disponível na literatura, e foi batizada de corujinha-de-Belém (Megascops ater). E duas não tinham nomes científicos disponíveis, e foram descritas como espécies novas para a ciência: A corujinha-do-Xingu (Megascops stangiae), que se distribui na Amazônia entre os rios Tapajós e Tocantins, e a corujinha-de-Alagoas (Megascops alagoensis), que habita fragmentos de Mata Atlântica em Alagoas e Pernambuco. O nome científico da corujinha-do-Xingu homenageia a Irmã Dorothy Mae Stang, religiosa que atuava junto a trabalhadores rurais da região do Xingu desde os anos 1970s e em razão de suas lutas sociais, foi assassinada em 2005.

As novas espécies já nascem potencialmente ameaçadas de extinção, especialmente a corujinha-de-Alagoas, conhecida em apenas cinco localidades, onde os fragmentos têm pouca ou nenhuma conexão entre si, impedindo a circulação dos indivíduos. A situação da corujinha-do-Xingu é melhor, mas sua distribuição está totalmente localizada no Arco do Desmatamento, a região com maior índice de desmatamento da Amazônia, e ela pode vir a ser considerada ameaçada em estudos futuros. A corujinha-de-Belém, por sua vez, habita a região mais desmatada da Amazônia, e também é uma potencial espécie ameaçada de extinção.

Esse e muitos outros estudos já desenvolvidos ou em desenvolvimento mostram como nossa biodiversidade ainda é subestimada, mesmo quando se trata de grupos bem conhecidos como as aves. Também ajudam a mostrar a dimensão real do grau de ameaça que essa riqueza corre, antes mesmo de ser bem compreendida.

 

Ciência se faz com parceria

Essa pesquisa fez parte do doutorado de Sidnei de Melo Dantas, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi/ Universidade Federal do Pará, sob a orientação do Dr. Alexandre Aleixo. A pesquisa foi uma parceria com o Field Museum of Natural History em Chicago, EUA, e da Academy of Natural Sciences of Drexel University na Filadélfia, EUA, sob a supervisão dos Drs. John Bates e Jason Weckstein. A pesquisa foi financiada pelo Governo Federal através do CNPq, e por bolsa-sanduíche (estágio no exterior) pela CAPES/Fulbright.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Conheça a Missionária Dorothy Stang (acesse aqui)

Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG (acesse aqui)

Artigos científicos:

Dantas et al. 2016. Molecular systematics of the new world screech-owls (Megascops: Aves, Strigidae): biogeographic and taxonomic implications. Molecular Phylogenetics and Evolution, 94, 626-634. (acesse aqui)

Dantas et al. 2021. Multi-character taxonomic review, systematics, and biogeography of the Black-capped/Tawny-bellied Screech Owl (Megascops atricapillaM. watsonii) complex (Aves: Strigidae). Zootaxa, 4949(3), 401-444. (acesse aqui)

Matérias de jornal

  • Folha de São Paulo: Corujas amazônicas são descobertas, e uma delas é batizada em homenagem a Dorothy Stang (acesse aqui)
  •  Revista Galileu: Estudo descreve novas espécies de corujas da Amazônia e da Mata Atlântica (acesse aqui)
  • Aventuras na História: Pesquisadores descobrem duas novas espécies de coruja no Brasil (acesse aqui)
  • Ecoa/Uol: Duas novas espécies de coruja são descobertas nas florestas brasileiras (acesse aqui)

Sidnei de Melo Dantas é biólogo (UFRPE), Mestre em Ecologia (INPA) e Doutor em Zoologia (MPEG). Veja mais na Plataforma Lattes e no Research Gate

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