O que esperar como efeito de Super El Niños na Amazônia?

02 de novembro de 2023 | Tempo de leitura: 7 minutos

Por Renata G. Tedeschi e Antônio V. Nogueira Neto

Seca no Lago Tefé em outubro de 2023. Crédito: Ayan Fleischmann

Nas décadas de 1990 e 2000, os meios de comunicação normalmente citavam os eventos El Niño, e sua fase oposta La Niña, como responsáveis pelos eventos extremos de precipitação sobre o Brasil, principalmente sobre as regiões Sul e Amazônica. Atualmente, o maior vilão para a sociedade é a mudança climática, mas a cada possível ocorrência de um El Niño ou La Niña, esses eventos voltam a ser pauta de notícias.

Os eventos de aquecimento (El Niño) ou resfriamento (La Niña) do Oceano Pacifico equatorial impactam a atmosfera, e por isso são conhecidos como um evento de interação oceano-atmosfera chamado ENOS (El Niño – Oscilação Sul). 

Alguns fatores interessantes desses eventos são:

  • Recorrência de dois a sete anos;
  • Normalmente se iniciam no segundo semestre, atingindo seu pico entre novembro e janeiro e decaimento a partir de março;
  • Por esse motivo indicamos anos ENOS bianualmente, pelo ano de início e de fim do evento;
  • A área do Pacífico equatorial onde ocorre aquecimento/resfriamento define o tipo de ENOS e seus efeitos na Amazônia.

Mapa representando a anomalia (diferença entre o valor observado e a média histórica) da temperatura da superfície do mar média durante Super El Niños, no verão austral (dezembro, janeiro e fevereiro). Crédito: Autores.

Esses eventos modificam toda a circulação da atmosfera, causando diversos impactos nas variáveis atmosféricas em todo o globo. Atualmente, sabe-se que a posição e intensidade das anomalias (diferença entre o valor observado e a média histórica) das temperaturas da superfície do mar modificam o impacto e os padrões de anomalias de precipitação. Muitas pessoas, principalmente agricultores, já conhecem os impactos desses fenômenos e quando escutam sobre um episódio El Niño, já esperam menos chuva na região Norte da América do Sul, região que engloba a Amazônia. Esse é o impacto esperado do episódio canônico (também conhecido como ENOS Leste). Porém, alguns estudos já indicaram que se as anomalias de temperatura estiverem mais para o oeste (também conhecido como ENOS Central), esse padrão pode ser menos intenso, ou até mesmo não existir na maior parte da Amazônia.

Nos últimos três anos (2020-2021, 2021-2022 e 2022-2023) houve a ocorrência do fenômeno La Niña (resfriamento do Pacifico equatorial) de maneira mais intensa na porção leste. O índice que mede a intensidade desse fenômeno, atingiu um valor mínimo de -1,3oC em 2020. A última vez que houve três anos seguidos de La Niña foi em meados de 1998 a início de 2001. Esses últimos três anos tiveram chuvas acima da média na parte norte da Amazônia, independente da estação, que é o padrão esperado para anos de La Niña. Apenas durante o verão austral, toda a Amazônia apresentou mais chuva do que a média histórica.

Precipitação média durante os últimos três anos (2020-2021, 2021-2022, e 2022-2023), todos com La Niña ativa, em diferentes estações do ano, (a) primavera (setembro, outubro e novembro), (b) verão (dezembro, janeiro e fevereiro) e (c) outono (março, abril e maio) austral. Crédito: Autores.

Diversos centros de meteorologia do mundo vêm indicando a ocorrência de um fenômeno El Niño com início no trimestre junho, julho e agosto de 2023, segundo os modelos. Em outubro deste ano, a NOAA anunciou que há uma probabilidade de 83% desse evento ser um El Niño forte, ou seja, que as temperaturas da superfície do mar na região equatorial do Pacifico atinjam valores superiores a 1,5°C acima da média histórica, com possibilidade de ultrapassarem 2°C, o que configuraria um Super El Niño. Historicamente, Super El Niños ocorreram em 1982/1983, 1997/1998 e 2015/2016 (como pode ser observado na primeira imagem desta publicaçao) deixando a temperatura global mais alta. Esse é um dos motivos para o ano de 2016 ser um dos anos mais quentes já registrados. O evento de 2015/2016 esteve diretamente relacionado a uma seca severa na Amazônia, que favoreceu o episódio de incêndio que devastou cerca de 740 mil hectares de floresta na região próxima a Santarém, Pará. Como vemos na próxima imagem, durante esses Super El Niños a região Amazônica é normalmente atingida por uma diminuição na taxa histórica de precipitação, principalmente nas porções central e leste dessa região.

Precipitação média durante todos os Super El Niños conhecidos em diferentes estações do ano, (a) primavera (SON), (b) verão (DJF) e (c) outono (MAM) austral. Crédito: Autores.

Precipitação média em cada ano dos Super El Niños conhecidos (primeira coluna: 1982/1983, segunda coluna: 1997/1998, e terceira coluna: 2015/2016) em diferentes estações do ano (primeira linha: primavera (SON), segunda linha: verão (DJF) e terceira linha: outono (MAM) austrais). Crédito: Autores.

Ainda que esses três eventos de El Niño tenham sido considerados Super El Niños, pode haver diferenças espaciais importantes no impacto sobre as chuvas na Amazônia entre um evento e outro. Isso se dá porque Super El Niños têm a capacidade de influenciar o padrão de anomalias de temperatura da superfície do mar em outras bacias, como a do Atlântico Tropical. As anomalias no Atlântico, por sua vez, exercem influência na circulação atmosférica regional e, consequentemente, sobre o padrão de chuva esperado na Amazônia em determinada época do ano.

Considerando as previsões e o comportamento observado em eventos passados, o segundo semestre de 2023 e o primeiro semestre de 2024 devem estar sob a influência de um fenômeno El Niño de forte intensidade. Sendo assim, a região amazônica deve ter menos chuva do que a média histórica, principalmente nas suas partes Norte e Leste, e com temperatura do ar acima da média. Por fim, vale lembrar que quanto mais intenso for o evento, mais intenso são seus impactos sobre o acumulado de chuvas na Amazônia.

Desse modo, os atuais impactos já devem ser um reflexo da ocorrência do fenômeno ENOS. Ou seja, os níveis dos rios amazônicos devem continuar baixos, devido ao baixo acumulado de chuva nos próximos meses. Isso também pode ter impacto direto na biota da região devido sua dependência com ciclo hidrológico normal e a sazonalidade dos rios Amazônicos.

Ciência se faz com parceria

A análise apresentada só foi possível graças a disponibilidade de dados oceânicos e atmosféricos de reanálise ERA5, disponibilizados pelo Centro Europeu de Previsões Meteorológicas em Médio Prazo (sigla em inglês, ECMWF). Assim como pelas contribuições dos outros pesquisadores que compõem a equipe de meteorologia e mudanças climáticas do Instituto Tecnológico Vale – ITV, são eles: Douglas Silva Ferreira, Claudia Wanzeler da Costa, Ana Paula Paes dos Santos, Edmir dos Santos Jesus, Naurinete de Jesus da Costa Barreto e Vânia dos Santos Franco.

Sobre os autores

Renata Gonçalves Tedeschi, doutora em Meteorologia pelo INPE. Atualmente pesquisadora adjunto A do ITVVeja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.

Antônio Vasconcelos Nogueira Neto, doutor em Oceano, Atmosfera e Clima pela Universidade de Toulouse. Atualmente pesquisador-bolsista do ITV.Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.

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