Uma visita às secas e cheias do último século na Amazônia
25 de março de 2021 | Tempo de leitura: 7 minutos
Por Sly Wongchuig
A Amazônia possui uma imensa riqueza natural e cultural. É o maior repositório da biodiversidade do mundo, com mais de 10% de todas as espécies de plantas e animais na Terra. São múltiplos os serviços ambientais que a Amazônia oferece a cada um dos seus nove países e ao mundo, como o papel crítico nos ciclos globais de água, energia e carbono. O rio Amazonas exporta 20% de toda a água que chega nos oceanos através de rios. A floresta recicla a água para a atmosfera e os ventos transportam essa umidade através da chuva para regiões fora da bacia. As mudanças ambientais em andamento, como mudanças climáticas, desmatamento e incêndios, estão impactando profundamente a biodiversidade assim como o ciclo da água deste ecossistema único. Para mais informações acesse este material do BBC Brasil.
Evento de chuva no rio Negro, Amazonas Brasil. Foto: Sly Wongchuig.
Uma das maneiras de avaliar estes impactos é mediante o uso de registros hidro-climáticos extensos e consistentes que permitam, por exemplo, a caracterização de eventos hidrológicos extremos como secas ou cheias que aconteceram no passado, a geração de previsões hidrológicas (por exemplo, de vazão e nível d’água dos rios) nos próximos dias ou semanas, assim como projeções futuras para os próximos anos ou décadas. Estas informações são também de grande importância para um adequado planejamento dos recursos hídricos por parte dos tomadores de decisões.
Cheia extrema de 2014 do rio Madeira na cidade de Porto Velho. Fonte: Adalberto Marques/ Integração Nacional.
Algumas características da Amazônia, como sua grande extensão e complicada acessibilidade em muitos pontos, tornam difícil implementar e manter uma rede de monitoramento em campo com uma densidade adequada para os estudos antes mencionados. Uma maneira de redistribuir estas informações de maneira espacial é mediante o uso de modelos hidrológicos.
Os modelos hidrológicos buscam representar através de equações matemáticas cada processo do ciclo da água, tais como a precipitação, a interceptação de água na vegetação, a infiltração de água no solo, o escoamento até a chegada da água nos rios e sua propagação neles.
Utilizando as ferramentas de modelagem hidrológica com as observações hidro-climáticos existentes na Amazônia, é possível gerar um registro aprimorado tanto no tempo como no espaço das variáveis do ciclo d’água. No estudo Reanálise hidrológica ao longo do século XX: Um estudo de caso da Amazônia (acesse o artigo aqui), estes registros são denominados de “reanálises hidrológicas”. Nesse estudo conseguimos gerar um registro consistente de séries de vazão e nível d’água em todos os principais rios da bacia Amazônica desde inícios de 1900 até 2010.
Alguns resultados desses registros são mostrados nas animações abaixo de maneira espacialmente distribuída no mapa. As cores em azul e vermelho representam o impacto do evento de cheias e secas, respectivamente, e cuja intensidade do evento é representada pela intensidade na cor. Por exemplo, pode-se notar que a seca de 2010 foi bastante intensa (vermelho escuro) e extensa na região central (afetou a vazão do rio Amazonas e seus principais tributários). Os círculos representam as informações provenientes de observações in-situ (isto é, medições em campo). Adicionalmente, as séries temporais nas figuras mostram informações na estação de monitoramento de Manaus, indicando o impacto do evento nessa região em relação a sua média histórica. Dessa maneira, com o suporte das reanálises hidrológicas, não somente podemos verificar os anos de cheias (e.g. 1999, 2009) e secas históricas (como em 2005 e 2010) que foram identificadas em regiões com registros in-situ, mas também podemos identificar, com certo grau de confiança, estes eventos em locais onde não se teve registros históricos.
Impacto espacial das cheias nos rios da Amazônia nos últimos 20 anos. A série temporal embaixo mostra a variabilidade do nível d’água no rio Negro na estação de Manaus.
Impacto espacial das secas nos rios do Amazonas nos últimos 20 anos. A série temporal embaixo mostra a variabilidade do nível d’água no rio Negro na estação de Manaus.
Finalmente, esta pesquisa teve como objetivo espacializar informações hidrológicas a fim de obter registros em várias regiões da Amazônia que não possuem estações in-situ. Isto permite a democratização de informações valiosas que beneficiariam diretamente a população da Amazônia. A base de dados de registro histórico de séries de vazão gerada nesse trabalho e cujos resultados foram validados e publicados num artigo científico, foi denominado de RHXX (reanálise hidrológica do século XX) e é de livre acesso (acesse a base de dados aqui).
Ciência se faz com parceria
Os resultados apresentados neste texto foram obtidos a partir do trabalho “Hydrological reanalysis across the 20th century: A case study of the Amazon Basin” publicado na revista Journal of Hydrology em 2019 (ver lista de materiais abaixo). Esses resultados foram parte da pesquisa realizada por Sly Wongchuig durante o curso de doutorado no Programa de Pós Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGRHSA-UFRGS), sob orientação do professor Rodrigo Paiva, no grupo de pesquisa em Hidrologia de Grande Escala da UFRGS. Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do governo federal através de uma bolsa de doutorado da CAPES.
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Wongchuig, S.C., de Paiva, R.C.D., Siqueira, V., Collischonn, W., 2019. Hydrological reanalysis across the 20th century: a case study of the Amazon Basin. J. Hydrol. 570, 755–773. (acesse aqui)
Wongchuig, S.C., Paiva, R.C.D., Espinoza, J.C., Collischonn, W., 2017. Multi-decadal hydrological retrospective: case study of Amazon floods and droughts. J. Hydrol. 549, 667–684. (acesse aqui)
Sly Wongchuig é engenheiro agrícola formado pela Universidade Nacional Agraria la Molina (UNALM, Peru), mestre em Recursos Hídricos em Sistemas Agrícolas (UFLA), doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (UFRGS). Atualmente é pesquisador e pós-doutorando no Instituto de Geociências e Ambiente (IGE) na Universidade de Grenoble Alpes (UGA, França). Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.