Unindo ciência e arte, Projeto Mantis documenta e pesquisa a Amazônia à noite em busca de louva-a-deus raros

17 de agosto de 2022 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Leo Lanna

Passou da meia-noite em Alta Floresta, norte do Mato Grosso. Enquanto a maioria da população dorme, ali perto, na RPPN Cristalino, Leo Lanna e Lvcas Fiat retornam por uma trilha após horas imersos na noite da floresta amazônica. Faz calor mesmo na madrugada, a umidade é alta e o equipamento já pesa nas costas. No caminho, um estranho bicho-pau chama a atenção. Como pesquisador e fotógrafo, Leo registra detalhes do bicho quando Lvcas, que é designer e diretor de arte, o chama com certa urgência e animação. Um louva-a-deus raro! Para a surpresa deles, era um louva-a-deus pipa, do gênero Choeradodis, conhecido apenas nas regiões mais ao Norte da Amazônia. Era um sonho ver esse bicho de perto, com suas cores vibrantes e forma excêntrica. Havia pistas de que poderia existir ali, fotos dos guias locais, mas levou mais de um mês andando pelas diversas trilhas da reserva até encontrarem um. 

O trabalho de achar louva-a-deus, seres extremamente camuflados, sem cheiro ou som, é minucioso, demanda paciência, e sempre recompensa com as mais belas surpresas. Em dois meses de expedição, foram mais de 30 espécies diferentes do inseto, várias representadas por apenas um ou dois indivíduos, e ao menos 3 já identificadas como espécies novas para a ciência.

O raro louva-a-deus pipa, Choeradodis, ocorre em florestas tropicais das Américas e no Brasil só pode ser encontrado na Amazônia. Foto: Arquivo Projeto Mantis

O Projeto Mantis foi fundado no Rio de Janeiro há seis anos, como uma organização independente cuja essência é pesquisar, conservar e documentar as florestas tropicais em busca dos louva-a-deus, revelando o extraordinário de nossa natureza. O começo já se mostrou promissor, com a descoberta de uma nova espécie no primeiro ano de trabalho. A descrição de Vates phoenix, nomeada em homenagem ao Museu Nacional, foi publicada em 2020. É um louva-a-deus endêmico da Mata Atlântica e cercado de mistérios. Foi no bioma que realizaram sua primeira grande expedição, quando conquistaram um financiamento da National Geographic Society em 2017 para percorrer a Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Das praias às montanhas, mostraram uma biodiversidade pouco conhecida combinando ciência e arte, tudo compartilhado por meio de redes sociais, palestras e stands. Dentre a riqueza fotografada e vivida, os primeiros registros de qualidade do louva-a-deus dragão brasileiro ganharam o mundo pelos canais da National Geographic.

O crescimento do trabalho foi exponencial, com novos financiamentos, uma expedição internacional, parcerias com diversas instituições como Greenpeace Brasil e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e até mesmo uma palestra TED no evento global de 2022, subindo no mesmo palco que personalidades como Bill Gates e Al Gore. Uma jornada sempre guiada pela busca dos louva-a-deus, a paixão pela floresta e a vontade de promover uma ciência contemporânea, que combina o melhor das técnicas e conhecimentos passados, sem deixar de repensar e trazer novas ideias, tecnologias e abordagens.

Leo Lanna e Lvcas Fiat apresentam a biodiversidade deslumbrante da Amazônia no palco do TED2022. Foto: Arquivo Projeto Mantis 

Voltar-se à Amazônia foi um caminho natural. O Brasil possui a maior diversidade de louva-a-deus do mundo, cerca de 250 espécies e, ainda assim, especialistas acreditam que devem existir ao menos mais 500 para serem descobertas. Como para a maioria dos seres, as espécies da Amazônia são pouco conhecidas, com amostras pontuais principalmente nos leitos dos grandes rios e locais próximos a centros urbanos. Com lanterna e câmera na mão, a dupla sai pela floresta à noite (quando é mais fácil ver os insetos) em busca de louva-a-deus raros. Buscá-los é literalmente escanear a floresta, do chão até onde os olhos alcançam, afinal, há espécies que gostam da serrapilheira, outras dos troncos, muitas vivem debaixo de folhas, outras em galhos. Como é à noite que a floresta mais ganha vida, e a busca demanda um olhar apurado, eles têm o privilégio de ver todo tipo de ser – serpentes, anfíbios, aracnídeos, os mais diversos insetos, até mesmo mamíferos e aves, sempre registrados em belíssimas fotografias. Uma explosão de vida, cores e formas extremamente ameaçadas pela crescente devastação. Tamanha é a biodiversidade que na noite seguinte tudo muda. Há bichos que a equipe viu uma vez e talvez nunca mais volte a encontrá-lo. E por isso levou mais de um mês para acharem aquele louva-a-deus pipa.

Na expedição Austral, durante uma noite de buscas na RPPN Cristalino, Leo e Lvcas trabalham cercados de sons, movimentos e cores de uma biodiversidade vibrante. Foto: Arquivo Projeto Mantis

Desde a fundação do Projeto Mantis, a equipe nunca sacrificou um louva-a-deus sequer para a pesquisa, algo raro entre trabalhos com insetos. Cada um que coletam é criado até a morte natural, alguns vivendo mais de dois anos. A dedicação traz ótimos frutos, como conhecer seus ciclos de vida, observar novos comportamentos e, principalmente, poder levá-los a diferentes públicos. Por serem inofensivos e curiosos, quebram a barreira que muitos têm em relação aos insetos. Um dos resultados mais interessantes no processo de observação foi registrar pela primeira vez um louva-a-deus, inseto carnívoro, se alimentando de substância vegetal na natureza.

Há muito a se descobrir em nossas florestas, e o Projeto Mantis segue realizando expedições, combinando ciência e arte, para trazer um vislumbre de quem é essa biodiversidade que precisa ser protegida e conhecida. Na última expedição em 2021, Amazônia do Poente à Aurora, lideraram uma equipe fantástica e multidisciplinar para testar novas metodologias na pesquisa e percepção da floresta. Entre as técnicas, usaram a fotografia de fluorescência induzida por ultravioleta.

O resultado ainda será revelado. Por ora, podem apenas dizer que a Amazônia brilhou em todas as cores, nos lembrando que conhecemos tão pouco desse nosso coração do mundo.

Amazônia vista do alto de uma torre na RPPN Cristalino – um universo complexo e fantástico de vegetação, lar de milhares de seres desconhecidos. Foto: Arquivo Projeto Mantis 

Ciência se faz com parceria

O Projeto Mantis é uma organização independente que conta com a parceria e suporte de diversos profissionais e instituições (conheça todos aqui). A expedição Amazônia do Poente à Aurora teve financiamento da National Geographic Society, apoio do Museu Paraense Emílio Goeldi e trabalho em equipe com ECO360, Pedro Peloso, Silvia Pavan, João Herculano e Fernanda Santos. Ao longo da jornada, o Projeto Mantis teve apoio de instituições como Greenpeace Brasil, Fundação Ecológica Cristalino e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, além de dezenas de cientistas, artistas e colaboradores de diversas áreas que contribuíram para o sucesso da iniciativa, em especial Sávio Cavalcante, Julio Rivera e Malu Moscatelli.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Acesse aqui o site oficial do Projeto Mantis.

Reportagem da National Geographic sobre a expedição Amazônia do Poente à Aurora (acesse aqui).

Blog autoral no Greenpeace Brasil sobre a expedição Austral (acesse aqui).

Reportagem do Ecoa sobre o Projeto Mantis (acesse aqui).

Relato com link para artigo da descrição de Vates phoenix (acesse aqui).

Relato com link para artigo do louva-a-deus se alimentando de substância vegetal (acesse aqui).

Leo Lanna é Mestre em Zoologia pela UFPA e Museu Goeldi, explorador da National Geographic, TED Speaker, Diretor-fundador do Projeto Mantis, fotógrafo e poeta

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