Vamos quantificar o ciclo da água?

04 de fevereiro de 2021 | Tempo de leitura: 8 minutos

Por Adriana Moreira

Temos ouvido falar que a floresta amazônica é de extrema importância para o clima regional e global. Mas como isso realmente ocorre? Veja bem, a vegetação da floresta amazônica realiza um trabalho incrível de devolver a umidade para atmosfera por meio do processo de evapotranspiração. Além disso, a floresta também exerce um papel importante nos outros processos do ciclo da água (também conhecidos como processos hidrológicos), como na infiltração da água no solo. A compreensão destes processos nos permite pensar em algumas questões muito importantes. Por exemplo, o que acontece se retirarmos parte da cobertura vegetal de uma região? Como isso pode afetar a liberação de vapor d’água para a atmosfera, ou os volumes de água que chegam nos rios?

          Quando pensamos no tamanho da bacia Amazônica, muitas vezes nos perguntamos como seria possível medir as diversas variáveis do ciclo da água por toda a bacia, e de forma consistente por longos períodos. Por exemplo, quanto será que chove por dia em cada quilômetro quadrado da Amazônia? Uma forma de responder isto é por meio das redes de medição in situ (isto é, realizadas no campo) que são mantidas por diferentes instituições, como a Agência Nacional de Águas (ANA), que fornece medições de chuva e dos níveis e fluxos de água dos rios brasileiros, e que são informações valiosas para o monitoramento e gestão da água. Nós ainda podemos contar com uma grande gama de satélites que monitoram a superfície terrestre, fornecendo estimativas de variáveis do ciclo da água com significativa acurácia e para regiões tão remotas que as medições de campo muitas vezes são incapazes de cobrir. Dados de satélite têm sido cada vez mais importantes para estes estudos, fornecendo informações sobre disponibilidade de água e impactos de mudanças do uso e cobertura do solo no ciclo da água. Caso queira saber mais sobre esse tema, acesse o texto do pesquisador Leonardo Laipelt (clique aqui) e conheça um pouco mais sobre o uso de imagens de satélites para estimar evapotranspiração, e como isso tem ajudado na compreensão dos impactos causados pela atividade humana no ciclo da água.

          O entendimento sobre o ciclo da água (ou ciclo hidrológico) em uma bacia hidrográfica e como se dá a sua dinâmica no longo prazo foi estudado no nosso artigo Avaliação do balanço hídrico por meio de dados de sensoriamento remoto na América do Sul. Mas o que é balanço hídrico? Balanço hídrico é um método onde contabilizamos as saídas e entradas de água em um sistema – no nosso estudo, os sistemas são as bacias hidrográficas – por um determinado período (semanas, meses, anos). Por exemplo, na figura abaixo temos uma ilustração das saídas e entradas de fluxos de água  representadas por setas, onde podemos quantificar o volume de água que entrou no sistema por meio da precipitação (chuva) e o que saiu pelo escoamento dos rios (vazão) e evapotranspiração da vegetação e dos solos. A diferença entre esses fluxos que entram e saem do sistema corresponde à variação do armazenamento de água.

Representação da abordagem de balanço hídrico. As setas indicam a entrada de água no sistema por meio da chuva e as saídas por meio da evapotranspiração e vazão. Imagem adaptada da foto de Jorge Saturno (MPI-C) da torre do ATTO.

          E como estimar as variáveis do ciclo da água para uma bacia hidrográfica e para um longo período? Como já adiantamos, muitas variáveis hidrológicas podem ser obtidas por meio de dados de satélite. No caso deste estudo, utilizamos duas fontes de dados para estimativa de evapotranspiração, usando dados dos modelos GLEAM MOD16, e duas fontes também para chuva, com base em dados do TRMM MSWEP, dados da missão GRACE para estimativa do armazenamento de água, e ainda utilizamos dados de vazão dos rios da rede de medição da Agência Nacional de Águas (ANA). Optamos por utilizar mais de uma fonte de dados para chuva e evapotranspiração porque sabemos que essas estimativas por satélites possuem certas incertezas, e assim, poderíamos analisar quais conjuntos de dados nos traria resultados com melhor acurácia.

          Por meio do balanço hídrico podemos estimar variáveis que ainda são de difícil medição e que não possuem uma extensa rede de monitoramento, como é o caso da vazão dos rios (ou o volume de água escoado pelos rios em um certo intervalo de tempo). Por exemplo, em nosso estudo, a vazão foi calculada utilizando apenas os dados de satélites pelo balanço hídrico e comparada com a vazão observada pela rede da ANA. Depois avaliamos a incerteza das estimativas dos satélites. Na figura abaixo podemos ver a incerteza para a estimava de vazão, indicada como a área cinza, para três grandes bacias hidrográficas da Amazônia (bacias dos rios Amazonas, Tapajós e Tocantins). Além disso, também podemos verificar que a vazão estimada por satélite (linha preta) é muito próxima às medições da ANA (linha vermelha). Portanto, conseguimos mostrar que é possível estimar a vazão por meio do balanço hídrico e a incerteza associada à estimativa. 

Sazonalidade da vazão dos rios estimada com base no balanço hídrico usando dados de satélite (linha preta) e medida pelas estações da Agência Nacional de Águas (linha vermelha) para as bacias dos rios Amazonas, Tapajós e Tocantins. A área cinza indica a incerteza da estimativa de vazão, calculada pelo método do balanço hídrico.

          Com o método do balanço hídrico, também podemos compreender como variam os regimes de chuva e evapotranspiração destas bacias, e compreender cheias e secas passadas. Mas isto é assunto para uma outra postagem! 

          É fundamental que compreendamos o ciclo da água, e que possamos quantificar seus diversos componentes. Estudos como o apresentado aqui têm reforçado o grande potencial do uso de dados de satélite para monitorar, analisar e quantificar a dinâmica do ciclo da água. A gestão dos recursos hídricos agradece!

Ciência se faz com parceria

          Este estudo faz parte da pesquisa de doutorado realizada por Adriana Moreira, pelo programa de pós graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), sob orientação do professor Anderson Ruhoff. Esta pesquisa contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e com a Agência Nacional de Águas (ANA).

Quer saber mais? 

Builes-Jaramillo e Poveda (2018). Conjoint Analysis of Surface and Atmospheric Water Balances in the Andes-Amazon System. Water Resources Research. (acesse aqui)

Maeda et al. (2017). Evapotranspiration seasonality across the Amazon Basin. Earth System Dynamics. (acesse aqui)

Moreira et al. (2019). Assessment of terrestrial water balance using remote sensing data in South America. Journal of Hydrology. (acesse aqui)

Rodell et al. (2011). Estimating evapotranspiration using an observation based terrestrial water budget. Hydrological Processes. (acesse aqui)

Swann e Koven (2017). A Direct Estimate of the Seasonal Cycle of Evapotranspiration over the Amazon Basin. Journal of Hydrometeorology. (acesse aqui)

 

Adriana Moreira é Engenheira Ambiental (FACET-MG), mestre em Sensoriamento Remoto e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (UFRGS). Mais informações na Plataforma Lattes e ResearchGate

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