Este texto foi publicado originalmente na coluna do Conexões Amazônicas, no site Portal Amazônia
Pesquisas na Floresta Amazônica, muito além das flores
Das muitas situações perigosas que nos deparamos normalmente nas savanas e florestas, considero que o ataque ou avistamento de cobras e abelhas são mais comuns e os que mais temo.
05 de junho de 2024 | Tempo de leitura: 5 minutos
Por Fernando Elias
Levantamento florístico em uma floresta de terra firme em Bragança, nordeste do Pará, Brasil. Equipe composta por (esquerda para direita) Fernando Elias, Ednaldo Nascimento, Lorrayne Gonçalves, Thiago Borges, Adimilson Brito e Samuel Pinheiro. Fotos: Fernando Elias
Coletar dados em campo é um dos grandes prazeres do biólogo e ao mesmo tempo envolve uma série de situações adversas que podem ser um tanto quanto imprevisíveis e perigosas. Sou biólogo de campo e trabalho com levantamentos florísticos periódicos desde 2009. Isso significa dizer que meu trabalho em campo consiste em identificar as espécies de plantas que habitam um dado local. Meu objetivo é analisar alguns padrões de ocorrência de plantas especialmente em áreas de savanas e florestas de terra firme nos Biomas Amazônia e Cerrado. Embora eu tenha muita experiência e esteja sempre atento em prever essas situações adversas que podem gerar transtorno na equipe, um imprevisto ou outro sempre acaba acontecendo.
Minha equipe é composta por cinco pessoas, geralmente estudantes de graduação e pós-graduação, e assistentes de campo (também chamados de “mateiros”). Durante as etapas de campo, a equipe passa por muitos perrengues associados à hospedagem, deslocamento (por exemplo: atoleiros) e do contato com diferentes paisagens florestais e savânicas.
Das muitas situações perigosas que nos deparamos normalmente nas savanas e florestas, considero que o ataque ou avistamento de cobras e abelhas são mais comuns e os que mais temo. Já tive contato com onças, catetos, antas, e outros bichos durante os inventários, que em sua maioria fogem da presença humana. O meu receio com abelhas e cobras relaciona-se com a capacidade furtiva das cobras e com a persistência no ataque de abelhas. Mesmo utilizando perneiras, equipamento de proteção individual que protege as pernas contra cobras, normalmente não tem como se desvencilhar de um ataque de abelhas (mesmo o uso de bonés com telas de proteção tem pouca eficácia).
Redobrar a atenção e cuidado durante o trabalho de campo, portanto, são as únicas saídas para reduzir os danos dos potenciais ataques..
Aqui, vou relatar um ataque de abelhas durante o inventário em uma floresta no sudeste do Pará, município de Marabá. A equipe era composta por mim, um aluno de pós-graduação e três mateiros. Esse campo era para registrar dados de árvores já catalogadas dois anos antes, para conseguir estabelecer taxas de dinâmica da vegetação, por exemplo, verificando quantas nasceram, morreram e sobreviveram. A dinâmica de campo é a seguinte: o anotador transfere para uma planilha as informações ‘cantadas’ pela equipe sobre as medidas de diâmetro (‘grossura’) do tronco, altura total e outras condições estruturais das plantas (quebrada, inclinada, dentre outras), coletadas simultaneamente. Essa dinâmica quebra o silêncio natural da área, ou melhor, é muito diferente dos sons naturais presentes, como cantos de pássaros.
Inventário em uma savana no nordeste de Mato Grosso e em uma floresta de terra firme na Floresta Nacional dos Carajás, no sudeste do Pará, Brasil. Fotos: Fernando Elias
Nós iniciamos o inventário às 7 horas da manhã e tudo corria maravilhosamente bem até por volta das 11 horas da manhã, quando nos aproximamos inconvenientemente de uma colmeia de abelhas Apis (popularmente conhecida como abelha-italiana ou abelha-europeia) que estava hospedada em um oco de uma árvore caída. Com o alvoroço natural do inventário (durante a ‘cantada’ de informações), essas abelhas se assanharam e começaram a nos atacar massivamente.
O jeito foi correr! Estávamos a aproximadamente um quilômetro e meio da caminhonete de apoio e as abelhas nos perseguiram por mais ou menos 300 metros...
Um dos membros da equipe, um aluno de pós-graduação inexperiente em campo, se assustou e correu para longe do ‘ramal ou trilheiro’ de acesso. Como a área era grande, fiquei bastante preocupado de ele se perder na direção contrária ao acesso. Ficamos por cerca de trinta minutos ou mais procurando por ele nas redondezas de onde estávamos trabalhando, mas não tivemos sucesso. Como não obtivemos resposta aos nossos chamados, deduzimos, corretamente, que ele tinha voltado para o carro.
Voltamos para a base de apoio, e no outro dia retornamos à área, mas as abelhas novamente nos atacaram e não nos deixaram concluir o inventário. Por fim, nós adiamos o trabalho e buscamos resolver essa situação com a ajuda de um apicultor local. O saldo desse episódio foi várias picadas de abelhas que eu e minha equipe sofremos, que se resolveu com analgésicos e antialérgicos, e muitas risadas após o acontecido.
Esta situação é apenas mais uma lembrança de campo, onde presenciei uma situação perigosa de ataque com abelhas e que traz duas mensagens importantes. A primeira é que fazer ciência na Floresta Amazônia, assim como em muitas outras áreas de floresta, é muitas vezes desafiador, devido a intempéries e situações adversas que diversos pesquisadores enfrentam diariamente. A segunda é que traz um alerta sobre os perigos associados ao trabalho de campo, destacando a importância da experiência na previsão de riscos e na abordagem adaptativa diante deles, como o simples adiamento da etapa de campo ou mesmo a busca por soluções e contornos imediatos.
Sobre o autor
Fernando Elias é biólogo, Mestre em Ecologia e Conservação e Doutor em Ecologia. Atualmente é pesquisador de Pós-doutorado do CNPq na Embrapa Amazônia Oriental e membro da Rede Amazônia Sustentável. Possui experiência com monitoramentos da biodiversidade em diferentes formações florestais e savânicas dos Biomas Cerrado e Amazônia, e interesse em avaliações da recuperação de processos e funções ecológicas após distúrbios antrópicos e naturais.