Este texto foi publicado originalmente na coluna do Conexões Amazônicas, no site Portal Amazônia

Em busca da esperança perdida

Relatei os vários sucessos que havia conseguido até então, mas não deixei de mencionar o caso da esperança colorida perdida, que eu procurava há mais de um ano.

05 de julho de 2024 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Diego Mendes

Ter esperança é um sentimento primordial para a maioria das pessoas. Mas para um pesquisador que estuda insetos que são mestres na arte da camuflagem na imensidão da floresta amazônica, a esperança precisa se transformar quase em um mantra pessoal. No Brasil, esse grupo de insetos, parentes próximos dos gafanhotos e frequentemente com asas idênticas a folhas, são conhecidos popularmente como esperanças ou bichos-folha (família Tettigoniidae).

Assim como as folhas que imitam, esses insetos apresentam uma infinidade de variações de cores, formas e tamanhos, mas a maioria das espécies é verde, noturna, com longas antenas e altamente reclusa, escondendo-se na vegetação.

Exemplo clássico de esperança verde (Menenghelia sp.). Foto: Diego Mendes

Talvez como consequência dessa habilidade magistral de se mesclar com o ambiente, a maior parte das esperanças encontradas na Amazônia é desconhecida da ciência. Isso torna minhas coletas de campo sempre surpreendentes: nunca sei quando uma esperança totalmente nova e incrível vai aparecer. E a parte mais desafiadora é que nunca sei quando conseguirei encontrar outro exemplar da mesma espécie. Nos trabalhos de descrição de uma espécie nova, é necessário, sempre que possível, ter mais de um exemplar e a descrição de ambos os sexos (macho e fêmea) para realizar um trabalho científico completo.

Portanto, encontrar uma espécie nova durante a madrugada na floresta muitas vezes resulta em uma verdadeira caça ao tesouro: será que vou conseguir encontrar o macho? Ou a fêmea? Às vezes, em poucos metros, a busca é bem-sucedida, gerando uma felicidade única para um “esperançólogo” no meio da noite na floresta. No entanto, outras vezes, a busca se transforma em uma novela…

Em 2017, uma dessas novelas começou na minha vida. Minha esposa havia visitado o sítio dos pais, no município de Tefé/AM, e, como de costume, fotografou uma estranha esperança em um arbusto perto da casa. Ela me enviou a foto e, quando a vi, achei que fosse montagem. Era uma esperança muito diferente, super colorida, que eu nunca havia visto em anos de pesquisa com esse grupo biológico. Fiquei fascinado. Fui ao sítio na primeira oportunidade e, depois de muita procura, consegui capturar uma fêmea daquela esperança. Após um longo processo de identificação, concluí que era uma belíssima espécie nova do gênero Paraxiphidium, que até aquele momento só ocorria no Peru.

Porém, como as outras espécies do grupo haviam sido descritas com o macho, eu precisava encontrar o macho para fazer a descrição dessa nova espécie. E assim começou a busca pelo macho… e nada. Revirei cada canto do sítio e das proximidades sem sucesso. O pior é que eu não sabia nada sobre o habitat daquela esperança: “Ela vive no alto?”, “Fica próxima ao chão?”, “Prefere áreas abertas ou floresta fechada?”. Todas as alternativas foram tentadas, mas com resultados frustrantes. Contudo, a esperança é a última que morre, certo? E continuei procurando essa danada…

Fêmea de esperança harlequim (Paraxiphidium iriodes). Foto: Diego Mendes

Em 2018, enquanto fazia uma trilha com uma colega, ela perguntou como estava meu trabalho com as esperanças. Relatei os vários sucessos que havia conseguido até então, mas não deixei de mencionar o caso da esperança colorida perdida, que eu procurava há mais de um ano. Nesse exato momento, vi um bicho diferente pulando na vegetação ao nosso lado…

 

Era o bendito macho. Fiquei pálido. Precisava capturá-lo, mas algumas esperanças são bastante ariscas e, se eu errasse o bote com o puçá (rede de mão usada para capturar insetos), quem sabe quanto tempo levaria para encontrar outro..

 

Foram momentos de pura tensão… mas felizmente, consegui capturá-lo e dei vários pulos e berros de alegria. Essa espécie foi publicada oficialmente em 2019, nomeada Paraxiphidium iriodes, com o nome significando “igual a um arco-íris”, devido ao colorido incrível dessa esperança. Agora sigo tentando resolver outras novelas semelhantes, mas sempre com muita esperança.

Macho de esperança harlequim (Paraxiphidium iriodes). Foto: Diego Mendes

Captura de esperanças com uso de puçá. Foto: Raphael Heleodoro

Sobre o autor

Diego Mendes é biólogo, e trabalha há 14 anos com taxonomia de esperanças, especialmente na Amazônia. Fez doutorado e mestrado em entomologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Atualmente é Analista de Coleções Científicas Pleno do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e atua na curadoria das coleções biológicas do instituto.

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