Conservation of coastal megafauna: a challenge of Amazonian proportions
20 de maio de 2021 | Tempo de leitura: 6 min
Por Renata Emin
Monitorar a megafauna ou animais de grande porte que vivem atualmente na costa norte do Brasil é um desafio. Na região costeira do estado do Pará e Maranhão é onde se encontra a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Esse ambiente é formado por diversos estuários (zona de transição entre o rio e o mar) em uma configuração super recortada, chamada de reentrâncias paraenses, maranhenses ou simplesmente reentrâncias amazônicas (veja na imagem abaixo). E é também, no meio dessas reentrâncias, onde vivem os carismáticos mamíferos aquáticos, os quais são alvo dos estudos desenvolvidos há cerca de 15 anos por pesquisadores(as) do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (GEMAM) e do Instituto Bicho D’água: Conservação Socioambiental (IBD), fundado em 2013. O GEMAM e o IBD são organizações formadas por pesquisadores(as) interessados(as) em estudar os mamíferos aquáticos e as tartarugas marinhas no estado do Pará. Desde a criação do grupo, sabíamos que entender a distribuição geográfica de botos, peixes-bois e baleias e, especialmente, traçar rotas para a conservação destes animais seria um desafio amazônico.
Exemplares da megafauna registrados na região costeira da Amazônia, nas reentrâncias amazônicas (paraenses e maranhenses). Acima, à esquerda: filhote de peixe-boi marinho (Trichechus manatus) batizado como “Omar”, foto de Rodrigo Baleia. Acima, à direita: boto-vermelho (Inia geoffrensis), espécie muito comum na costa do Pará, foto de Alexandra Costa. Abaixo, à direita: golfinho-comum (Delphinus delphis), foto de Renata Emin.
- capturas acidentais de animais em redes de pesca;
- competição por recursos alimentares (ou seja, brigam por comida!);
- ocupação humana desordenada da região costeira, não levando em consideração áreas protegidas e importantes para conservação da biodiversidade.
À esquerda, equipe realizando monitoramento de encalhes de cetáceos no norte da Ilha de Marajó, foto de Rodrigo Baleia. Ao centro, morador da Vila de Abade, Curuçá, PA, indicando a baleia que encalhou no rio Muriá em 2007, foto do Acervo GEMAM. À direita, boto-do-Araguaia (Inia araguaiaensis), espécie de golfinho de rio recentemente descoberta, rio Tocantins, Cametá, PA, foto de Paulo Ott.
Os(as) amazônidas têm uma forma muito particular de fazer uso e interagir com a natureza, seja no uso da medicina natural ou na presença de algumas espécies no imaginário popular, como é o caso dos botos e peixes-boi. E estratégias de conservação da biodiversidade precisam levar em consideração este fato. Nesta linha, desde 2005, os estudos realizados pelo nosso grupo partiram sempre de ferramentas participativas, buscando associação da coleta de dados com a sensibilização e engajamento das comunidades ribeirinhas. Um exemplo do sucesso deste método se observa no fato de que, no início dos trabalhos, boa parte dos(as) comunitários(as) da região costeira acreditava que não existia mais peixe-boi nas áreas estudadas. E, atualmente, após diversas ações de educação ambiental, os relatos de avistamento ou mesmo de encalhes de filhotes de peixes-boi têm se tornado cada vez mais frequentes. Desde o início do nosso trabalho, registramos 102 ocorrências de peixe-boi só na Baía do Marajó, onze registros de seis espécies de baleias, além de pequenos cetáceos pelágicos (como o golfinho-de-risso e a falsa-orca) e inúmeros golfinhos costeiros.
Parte da equipe Bicho D’água junto com parceiros do IBAMA e comunidade em soltura de peixe-boi no município de Santa Bárbara, PA.
Entendemos que as medidas para mitigar os impactos da interação da biodiversidade com a pesca costeira, por exemplo, não devem ser discutidas sem a participação dos(as) pescadores(as). Em algumas áreas, nossa rede de colaboradores(as) foi treinada para atuar nos primeiros socorros e soltura imediata de peixes-boi e também na liberação de tartarugas presas em curral de pesca. Uma prova de que o monitoramento participativo gera engajamento é o crescente registro de solturas de tartarugas marinhas e solturas imediatas de peixes-boi, o que aumenta muito as chances destes animais sobreviverem sem grandes danos.
Nossa missão, através do GEMAM e Instituto Bicho D’água, é seguir contribuindo para a pesquisa e conservação da biodiversidade costeira. A sensibilização e a mobilização comunitária para a questão ambiental é a base dos nossos projetos e estudos. Geramos diversas publicações científicas, pareceres técnicos e também colaboramos com órgãos ambientais, como ICMBIO e IBAMA, para elaboração de políticas públicas que atendam as particularidades da região costeira do Norte do Brasil. Acreditamos que superar todos os desafios da nossa missão só foi (e segue sendo) possível porque temos a valiosa colaboração das inúmeras pessoas de comunidades ribeirinhas com as quais temos a sorte de trabalhar. Conhecemos pescadores(as) e moradores(as) das beiras de praia por onde passamos e que, generosamente, compartilharam seu vasto conhecimento sobre os bichos d’água e os ambientes em que eles vivem, abriram as portas dos seus lares, nos acolheram, e, principalmente, engajaram-se na luta pela conservação. A todas estas pessoas nossa eterna gratidão.
Science is done collaboratively
Nosso grupo é composto por diversos(as) estudantes e pesquisadores(as). No litoral do Pará, contamos com colaboração de pessoas de comunidades de pescadores(as) e ribeirinhos(as) e também da Associação dos Moradores do Bairro Pacoval – Soure (AMPAC) e da Associação Educativa Rural e Artesanal da Vila de Joanes (AERAJ). Contamos com a colaboração de membros(as) de Conselhos das Unidades de Conservação Marinhas (Resex Soure, Resex Maracanã, Resex Cuinarana, Resex Caeté-Taperaçú), além de pesquisadores(as) e funcionários(as) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Evandro Chagas (IEC) e Batalhão da Polícia Ambiental do estado do Pará.
Especialmente, dois pesquisadores acreditaram em nós quando ainda éramos estudantes que sonhavam em estudar mamíferos aquáticos na Amazônia. Quando alguns disseram que era impossível, José de Sousa e Silva Junior (MPEG), mais conhecido como Cazuza, e Salvatore Siciliano (FIOCRUZ) abriram portas, estenderam a mão e indicaram (e indicam até hoje) os melhores caminhos.
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Redes Sociais: @bicho_dagua
Costa, A.F., Siciliano, S., Emin-Lima, R., Martins, B.M.L., Sousa, M.E.M., Giarrizzo T., Silva Júnior, J.S. (2017). Stranding survey as a framework to investigate rare cetacean records of the north and north-eastern Brazilian coasts. ZooKeys, 688, 111-134. (Link)
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. (2018). Atlas dos manguezais do Brasil. ICMBio Brasília. (Link)
Museu Paraense Emílio Goeldi Notícias. (2016). Omar: uma história de sobrevivência nas águas da costa amazônica. (Link)
National Geographic – Meio Ambiente. (2020). Nas reentrâncias amazônicas, comunidades equilibram conservação e extrativismo (Link)
The New York Times – Science. (2019). Humpback Whale washes ashore in Amazon River, baffling scientists in Brazil. (Link)
Renata Emin é bióloga formada pela UFPA e doutora em ciências pela FIOCRUZ. Juntamente com Alexandra Costa e Maura Sousa, fundou o Instituto Bicho D’água. Atualmente é servidora do IDEFLOR-Bio, órgão de gestão do meio ambiente do estado do Pará. More information on Lattes and ResearchGate.