26 de março de 2022 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Juan Pablo Sierra Pérez

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, cobrindo cerca de 5,3 milhões de quilômetros quadrados (40% da extensão global de florestas tropicais). Este ecossistema se estende por nove países diferentes, desde o sopé do leste dos Andes até as costas atlânticas da América do Sul. Chuvas abundantes geram uma grande vazão (volume de água que passa por um local em um determinado período de tempo) no rio Amazonas, que corresponde a quase 15% das águas de rios de água doce que chegam aos oceanos. Os ventos anteriormente transportavam parte de toda essa água do Oceano Atlântico. Quase um terço das chuvas que caem na bacia foram extraídas do próprio solo amazônico, através das longas raízes (até 10 metros de profundidade) das árvores da floresta tropical, e então liberadas no ar através de suas folhas. Devido a esta reciclagem de chuvas, a vegetação natural local é crucial para a hidrologia regional.

Localização da bacia amazônica e altitude dos Andes tropicais. Imagem: Juan Pablo Sierra Pérez.

As taxas de desmatamento na Amazônia aceleraram nos últimos anos (veja a figura abaixo). Pensemos, por exemplo, na ação da substituição da floresta por pastos. Os pastos possuem raízes mais curtas em comparação com as árvores. Por esta razão, sua capacidade de bombear água do solo e liberá-la para a atmosfera é limitada (leia mais sobre o impacto da perda de floresta natural). Pode-se esperar que a substituição de florestas naturais por pastagens implique em menor umidade na atmosfera da região amazônica e, consequentemente, redução da precipitação. Na verdade, a mudança de um pedaço de floresta intacta com pastagens altera muito mais do que apenas a capacidade evaporativa da superfície. Muitas outras características de superfície que podem influenciar direta ou indiretamente a precipitação na região são também perturbadas. Mais um exemplo é que quando a área florestal é desmatada, a rugosidade da superfície diminui, porque as florestas são mais altas e têm uma altura mais variável do que as pastagens. 

Consequentemente, o ar que se move acima desta área experimenta menos resistência e acelera, transportando toda a umidade para diferentes locais. Isso causa uma redução da precipitação na área desmatada, mas um aumento da precipitação em lugares ao redor. Embora o desmatamento leve a um esgotamento da chuva local sobre a área desmatada nestes dois exemplos, esta não é a única possibilidade. Alguns processos induzidos pela perda de floresta podem aumentar a precipitação. Uma vez que muitos processos estão agindo simultaneamente na atmosfera e apontando direções diferentes, os cientistas precisam de ferramentas como modelos de computação para entender melhor os possíveis efeitos do desmatamento no clima regional.

Taxa de desmatamento na Amazônia Brasileira para o período de 2004-2021. Dados de PRODES Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Em muitas áreas da ciência, uma questão específica é analisada através da experimentação direta. Por exemplo, suponhamos que gostaríamos de saber o que poderia acontecer com a capacidade das árvores da floresta tropical de extrair água do solo e liberá-la para a atmosfera sob um clima mais quente. Nesse caso, poderíamos realizar alguns experimentos (isolando algumas parcelas de árvores e mudando apenas a temperatura do ar) e fazer algumas medições das taxas de evaporação. No entanto, algumas questões não podem ser abordadas a partir de experimentação real. Uma dessas questões é o que pode acontecer com o clima se a floresta amazônica for substituída por pastagens ou terras cultivadas. Simplesmente, é impossível desmatar uma parte da Amazônia para descobrir o que acontece com o clima regional sem perder a abordagem preventiva implícita na própria pergunta. Nesses casos, os cientistas usam modelos para realizar experimentos indiretos. Um modelo computacional representa uma parte do mundo de forma simplificada, geralmente expressa em linguagem matemática.

A trabalho recente utilizou um desses modelos para avaliar o impacto do desmatamento na conectividade hidroclimática Amazônia-Andes (ver figura abaixo).

Os autores tentaram entender como o desmatamento em grande escala (uma simulação onde 45% da floresta foi desmatada) poderia afetar o clima regional durante a estação úmida da Amazônia, entre dezembro e fevereiro.

Constatou-se que uma redução de até 20% da precipitação seria  induzida pela perda de floresta na maioria das planícies amazônicas durante o dia. No entanto, os impactos significativos estariam localizados na parte sudoeste da bacia, na área de transição das planícies amazônicas para os Andes tropicais. Nesta região, devido a uma redução no transporte de umidade, a precipitação noturna seria  reduzida entre 20-30%. Estas alterações de chuva e circulação atmosférica afetariam os ricos e frágeis ecossistemas andinos e as geleiras tropicais.

(a) Condições normais para transporte de umidade, chuva, evapotranspiração e ascensão do ar na América do Sul tropical durante dezembro fevereiro. (b) Efeitos do desmatamento da Amazônia  em todos esses processos. Fonte: Sierra e colaboradores (2021).

Science is done collaboratively

Os resultados apresentados neste texto foram publicados na revista científica Climate Dyamics e fazem parte dos resultados dos estudos de Ph.D. de Juan Pablo Sierra Perez na Université Grenoble Alpes em Grenoble-França, sob a supervisão do Prof. Jhan Carlo Espinoza e da Prof. Clementine Junquas e apoiado pelo projeto francês AMANECER-MOPGA, financiado pela ANR e pelo Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) (ref. ANR-18- MPGA-0008).

Quer saber mais? Veja os materiais abaixo!

Sierra et al. 2021. Deforestation impacts on Amazon-Andes hydroclimatic connectivity. Climate Dynamics, 1-28. (Link)

Juan Pablo Sierra Pérez é engenheiro ambiental formado pela Universidad de Antioquia (Medellín, Colômbia), mestre em Engenharia Ambiental na mesma universidade e doutorando na Université Grenoble Alpes (Grenoble, França).

Veja mais no ResearchGate.

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