O protagonismo comunitário nas práticas de enfrentamento às mudanças climáticas na Amazônia

24 de junho de 2021 | Tempo de leitura: 8 minutos

Por Júlia Menin

“Nós [ribeirinhos] somos os primeiros a sofrer. Se continuar… E quando você é o primeiro, você quer vir menos pra cá, pra ver a primeira queda. Você jamais vai querer ir primeiro” (Entrevista com líder comunitário na Comunidade do Tumbira, março de 2020).

O Rio Negro acaba de alcançar a cheia histórica de 2012, tornando o ano de 2021 um novo marco. Tanto cientistas quanto as comunidades ribeirinhas apontam para a maior ocorrência de eventos extremos como secas e cheias no Amazonas: cada vez maiores e mais frequentes. Há uma relação entre esses eventos e as mudanças climáticas, como é destacado por uma ampla gama de pesquisadores. Em meio a uma pandemia global, as comunidades já têm enfrentado dificuldades de acesso à saúde, transporte e água potável. Somado a isso, um evento como a atual cheia de 2021 demonstra o quanto eventos climáticos extremos são amplificadores de desigualdades.

A comunidade flutuante Lago do Catalão – Iranduba/AM. Foto: Júlia Menin

          A temática das mudanças climáticas tem ganhado cada vez mais espaço nas mídias internacionais e no debate público. No Brasil, a situação não é diferente. Desde 2009 o país conta com uma Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), assim como um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), lançado em 2016. Entretanto, apesar de o Brasil já ter sido destaque internacionalmente na temática – como quando propôs metas voluntárias de redução de emissões de Gases do Efeito Estufa –, ainda há um longo caminho para se avançar no tema.

          É necessário enfatizar como as mudanças climáticas não atingem a todos da mesma maneira. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), populações localizadas em climas tropicais e de maior vulnerabilidade socioeconômica serão as mais atingidas pelos danos climáticos, com situações de secas, inundações e insegurança alimentar. A justiça climática está relacionada com a noção de que grupos sociais distintos possuem diferentes responsabilidades sobre o consumo de recursos naturais, bem como são desiguais os efeitos sentidos pelas alterações ambientais.

Casa que precisou ser elevada no ano de 2012, acima dos valores da última grande enchente de 1953 na Comunidade São Francisco na Costa de Terra Nova – Careiro da Várzea/AM. Foto: Júlia Menin

          Vale ressaltar que as políticas climáticas ainda partem de estratégias com baixa participação da sociedade civil em suas formulações. Isso nos remete a diversas questões: afinal, como elaborar políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas sem a ampla participação da sociedade civil? Como as populações indígenas e tradicionais são impactadas pelas mudanças do clima? Ou, mais além, essas comunidades/grupos elaboram estratégias de enfrentamento às mudanças do clima ou aos efeitos destas?

          Pensando nessas questões, em minha pesquisa de mestrado analisei práticas de adaptação às mudanças climáticas em comunidades ribeirinhas, especialmente a partir de fenômenos climáticos como eventos extremos de cheias e secas na Amazônia, buscando, a partir dos relatos dos entrevistados, identificar as mudanças em seu cotidiano em virtude desses eventos. Pelo trabalho de campo realizado com moradores ribeirinhos de comunidades próximas à capital Manaus/AM, foi possível identificar as diferentes práticas de enfrentamento aos eventos climáticos extremos de cada localidade a partir da ação e do engajamento no cotidiano das comunidades.

Hortas flutuantes. Foto: Júlia Menin

          Dentre as questões abordadas pelos ribeirinhos, destaca-se o fato de que já não é mais possível prever se o ano será de cheias ou secas extremas, como faziam “os avós” ou os “antigos” da comunidade, ainda que sigam utilizando métodos como a observação diária do nível do rio, a observação na floração de plantas e o acompanhamento das previsões nos noticiários. Isso indica que as mudanças climáticas já significam um elevado grau de imprevisibilidade para as comunidades, gerando, por exemplo, incertezas quanto ao cultivo na agricultura. É possível destacar que os eventos extremos são percebidos no cotidiano das comunidades, transformando paisagens e os modos de vida. Segundo os ribeirinhos entrevistados, as secas e cheias extremas dificultam o acesso à saúde, alimentos (disponibilidade de peixes), transporte, calendário escolar, etc.

          Da mesma forma, as comunidades têm adotado práticas de adaptação e enfrentamento, contando com laços e lideranças comunitárias, tais como a elevação das casas (a partir da construção de assoalhos elevados em cheias), construção de pontes, barreiras e mudanças de horários de trabalho na roça. Outro aspecto interessante é que as políticas de transferência de renda (Bolsa Floresta, Bolsa Família e Seguro Defeso) têm contribuído para que as comunidades realizem as reformas necessárias em suas casas.

A base de toras de assacu das casas flutuantes em Lago do Catalão – Iranduba/AM. Foto: Júlia Menin

          Levar em consideração outros olhares e diferentes conhecimentos em relação ao clima pode apoiar processos de resposta às mudanças climáticas. É preciso abranger os conhecimentos dos ribeirinhos e colocá-los em diálogo com as instituições tomadoras de decisão buscando um trabalho conjunto.

          Destaco, por fim, a importância das ciências sociais integrarem o debate acerca das mudanças climáticas. Há uma lacuna nos estudos sobre os enfrentamentos locais, ao mesmo tempo em que há um campo em expansão e diversas questões em aberto a serem abordadas. Assim, as mudanças climáticas geram uma série de discussões e propostas que não se desligam de outros processos ambientais e conflitos territoriais. A sociologia, portanto, pode ter um importante papel de protagonismo, de contestação e de análise crítica ao que tem sido elaborado a respeito do enfrentamento às mudanças climáticas. Noções como justiça climática e protagonismo comunitário “entram em jogo” e tornam-se importantes de serem discutidas.

 

Science is done collaboratively

        Os resultados apresentados neste texto são parte da pesquisa realizada por Júlia Menin durante o curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A orientação foi de Lorena Cândido Fleury. Esta pesquisa contou com apoio financeiro do governo federal através de uma bolsa de mestrado CAPES e apoio para trabalho de campo do projeto AmazonFACE. Agradeço também aos interlocutores das comunidades visitadas (Comunidade Nossa Senhora do Livramento, Comunidade Lago do Catalão, Comunidade do Tumbira, Comunidade Santa Helena do Inglês, Comunidade São Francisco), pelas trocas estabelecidas.

Want to know more? Access the links below!

BRANDÃO, Luciana C. Vidas ribeirinhas e mudanças climáticas na Amazônia: ativando híbridos, friccionando conhecimentos e tecendo redes no contexto do Antropoceno. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, 2019. (Access here).

FLEURY, Lorena Cândido; MIGUEL, Jean Carlos Hochsprung; TADDEI, Renzo. Mudanças climáticas, ciência e sociedade. Sociologias, v. 21, n. 51, p. 18-42, 2019. (Access here)

MENIN, Júlia. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima: uma agenda de desenvolvimento na política ambiental brasileira? Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 2018. (Access here)

Júlia Menin é cientista social e mestra em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS desenvolvendo pesquisa sobre comunidades ribeirinhas da Amazônia e políticas de adaptação às mudanças climáticas. É integrante do grupo TEMAS – Tecnologia Meio Ambiente e Sociedade.

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