Nome de nova espécie de jupati é uma homenagem aos povos indígenas do Brasil
10 de setembro de 2023 | Tempo de leitura: 6 minutos
Por Cleuton Miranda, Arielli Machado, Yennie Bredin e Maria Nazareth Ferreira da Silva
Metachirus aritanai, nova espécie de marsupial, descrita para a Amazônia em nosso estudo publicado na revista Mammalia (Miranda et al. 2023). Foto: Natália Ardente.
Atualmente são reconhecidas 56 espécies de marsupiais encontradas em diferentes ecossistemas brasileiros. Os marsupiais são mamíferos que estão agrupados em uma única ordem taxonômica denominada Marsupialia. As fêmeas desse grupo apresentam uma bolsa na região abdominal chamada marsúpio, onde os filhotes completam o seu desenvolvimento. Ainda que nem todas as espécies de marsupiais possuam fêmeas com marsúpios bem desenvolvidos, o marsúpio os diferenciam dos mamíferos placentários (o restante dos mamíferos que apresentam desenvolvimento embrionário totalmente no interior do útero). Nas espécies de marsupiais sem marsúpio os filhotes ficam agarrados aos mamilos das mães e ali se desenvolvem.
Os marsupiais conhecidos como cuícas-marrons-de-quatro-olhos, ou jupatis, pertencem ao gênero Metachirus e apresentam ampla distribuição geográfica na América do Sul, ocorrendo em quase todos os biomas brasileiros. No entanto, ainda não foi realizada uma revisão taxonômica abrangente para esse gênero. Todavia, os trabalhos taxonômicos pontuais representam avanço e servirão de base para estudos futuros. A taxonomia desse grupo de animais tem sofrido várias modificações, com descrições e revalidações de espécies, além de alguns trabalhos taxonômicos e criteriosos. A Taxonomia é um ramo da biologia que descreve, identifica e nomeia os seres vivos usando critérios científicos, como aspectos morfológicos, genéticos, fisiológicos e reprodutivos, dividindo os grupos em sete categorias taxonômicas: reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie.
Apenas duas espécies eram reconhecidas até então para o gênero: Metachirus nudicaudatus (encontrado no Escudo das Guianas) e Metachirus myosuros (encontrado na Mata Atlântica e nordeste da Argentina). Aqui divulgamos um estudo que publicamos neste ano na revista Mammalia, mas que se iniciou em 2013, descrevendo uma terceira espécie para o gênero: Metachirus aritanai.
Diante da diversidade que existe no planeta, descobrir uma nova espécie é uma forma de conhecer o meio ambiente, que é um dos objetivos da Ciência. Além disso, a descrição de novas espécies contribui para a conservação da biodiversidade. Os marsupiais americanos pertencem a ordem Didelphimorphia e das 98 espécies dessa ordem catalogadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN, uma é considerada extinta, 12 estão ameaçadas de extinção, 15 delas estão apresentando declínio de suas populações e outras 15 são deficientes de dados para estabelecer o nível de conservação. Portanto, o conhecimento sobre uma nova espécie permite a conservação da biodiversidade desses marsupiais e de todos os outros seres vivos que se beneficiam pelas interações ecológicas.
Através da unificação de conceitos de espécies, dados morfológicos, genéticos e geográficos, levantamos a hipótese com alta sustentação de uma nova espécie.
Essa nova espécie foi nomeada em homenagem à grande liderança da etnia Yawalapiti da região do alto rio Xingu, Aritana Yawalapiti (1949-2020), bem como em homenagem a todos os povos indígenas do Brasil.
O líder Aritana faleceu em agosto de 2020, vítima da covid-19, representando uma grande perda para os povos da região do Xingu, todos os povos indígenas e todos os brasileiros.
Nosso estudo de descrição dessa nova espécie de marsupial foi realizado a partir de amostras genéticas e de morfologia de indivíduos coletados e registrados na região sudeste do Pará, entre os rios Xingu e Tocantins, e também no norte do estado do Tocantins (pontos vermelhos no mapa a seguir). Portanto, trata-se de uma espécie amazônica e de áreas de transição entre Amazônia e Cerrado, com limite de distribuição sul ainda não definido.
Localidades dos indivíduos de Metachirus, mostrando as localidades tipo (de origem) de cada espécie com estrelas amarelas. A espécie-tipo Metachirus nudicaudatus é representada por círculos laranjas, Metachirus aritanai, a nova espécie, em vermelho e Metachirus myosuros por círculos azuis. Os círculos pretos estão pendentes de revisão sistemática para determinar sua espécie. Imagem adaptada de Miranda et al. 2023.
A partir de amostras genéticas de DNA mitocondrial, que é uma molécula de material genético de origem materna e muito usado na diferenciação de espécies de mamíferos, foi possível avaliar as relações de parentesco entre indivíduos e espécies desse gênero, estimando também há quanto tempo teria ocorrido a separação entre os grupos e a formação de novas espécies. Nossos resultados mostraram que a nova espécie, Metachirus aritanai, forma um grupo monofilético, ou seja, um grupo evolutivamente agrupado e descendente de um mesmo ancestral comum, bem diferenciado dos demais grupos, e que teria surgido há pouco mais de 3 milhões de anos atrás, em um período geológico chamado Plioceno.
Através dos dados morfológicos dos indivíduos estudados, depositados em museus, foram realizadas análises comparativas e análises estatísticas, usando medidas de crânios e dentes para destacar as diferenças entre as duas espécies de marsupial atualmente reconhecidas e a nova espécie.
Comparação da região da face das três espécies de jupati: A) Metachirus nudicaudatus, B) Metachirus myosurus e C) Metachirus aritanai. Esse tipo de imagem é chamado de prancha na taxonomia. Imagem adaptada de Miranda et al. 2023.
Comparação dos crânios das três espécies de jupati: A) Metachirus nudicaudatus, B) Metachirus myosurus e C) Metachirus aritanai. Esse tipo de imagem é chamado de prancha na taxonomia. Imagem adaptada de Miranda et al. 2023.
A nova espécie de marsupial, Metachirus aritanai, já “nasce” presente em regiões muito impactadas e ameaçadas, incluindo parte do Arco do Desmatamento na Amazônia e as áreas de transição entre Amazônia e Cerrado devido ao forte avanço do agronegócio.
Esperamos que esse gênero seja revisado o mais breve possível para que subsídios sejam gerados para a conservação das populações do jupati e demais mamíferos do Brasil e América do Sul. Torcemos também por políticas públicas eficazes e justas aos povos originários, aqui humildemente homenageados a partir desta espécie nova de marsupial.
Ciência se faz com parceria
Este estudo foi realizado em parceria com pesquisadores do Laboratório de Genética e Evolução Animal (LEGAL) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Dra. Izeni Pires Farias e MSc. Mario Nunes; assim como de outras instituições: Dr. Manoel Dos Santos-Filho do Laboratório de Mastozoologia da Universidade do Estado de Mato Grosso em Cáceres, Mato Grosso (UNEMAT); MSc. Fernando Heberson Menezes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Natália Carneiro Ardente do Laboratório de Ecologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Agradecemos ao CNPq pelo apoio financeiro do projeto (PROTAX 22/2020 e SISBIOTA CNPq/FAPEAM).
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Faria, M. B., Lanes, R. O., Bonvicino, C. R. 2019. Marsupiais do Brasil Guia de identificação com base em caracteres morfológicos externos e cranianos. Amélie Editorial. (acesse aqui)
Miranda, C. L. et al. 2023. A new species of jupati, genus Metachirus Burmeister 1854 (Didelphimorphia, Didelphidae) for the Brazilian Amazon. Mammalia, 87(2): 172-189. (acesse aqui)
Sobre os autores
Cleuton Lima Miranda é biólogo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. Foi pós-doutorando em Ciência Animal/Biodiversidade na Universidade Estadual do Maranhão e em Biodiversidade e Evolução pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Veja mais na Plataforma Lattes e no Linkedin.
Arielli Fabrício Machado é bióloga pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre e doutora em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e atualmente é pós-doutoranda na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.
Yennie Katarina Bredin é Ecóloga formada na Norwegian University (Universidade da Noruega) com experiência na Floresta Amazônica e atualmente pesquisadora do Norwegian Institute for Nature Research na Noruega. Veja mais no ResearchGate.
Maria Nazareth Ferreira da Silva é doutora em Zoologia pela University of California, Berkeley, Estados Unidos, pesquisadora titular A-III do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e curadora da coleção de mamíferos dessa mesma instituição. Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.