Mudanças climáticas ameaçam abelhas, aves e morcegos amazônicos

24 de dezembro de 2023 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Tereza Cristina Giannini

Abelha mamangava em flor de maracujazeiro. Foto: Ulysses Maia.

O Painel Intergovernamental de Mudança de Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem chamado a atenção para o fato de que as mudanças climáticas já estão atingindo amplamente múltiplas esferas, desde as populações humanas e suas atividades (comércio, indústria, produção de alimentos, acesso à água potável, entre outras) até a biodiversidade. E essas mudanças poderão ser ainda mais acentuadas no futuro se nenhuma ação for tomada agora. 

A vegetação, especialmente as florestas tropicais, tem um papel importante no sequestro de carbono. Florestas antigas têm quantidades enormes de carbono estocado em seus troncos, folhas e raízes. Por isso o desmatamento é uma das atividades diretamente associadas à liberação de carbono, uma vez que todo o carbono estocado na vegetação é novamente liberado para a atmosfera, aumentando a quantidade de gases de efeito estufa e o aquecimento global. Assim, interromper o desmatamento é importante para proteger a biodiversidade e para mitigar o efeito das mudanças de clima.

Entender como a biodiversidade se estrutura nos ambientes naturais é fundamental dentro do contexto das mudanças climáticas.

Por exemplo, uma floresta tropical como a Amazônica abriga uma variedade muito grande de espécies de plantas, animais e microrganismos. Além disso, essas espécies não estão isoladas. Elas interagem formando cadeias complexas de relacionamentos e interdependências. Entender essa complexidade é um grande desafio, mas ele precisa ser enfrentado para que os esforços de proteção das espécies e de conservação e restauração das florestas sejam efetivos.

A Floresta Nacional de Carajás, no sudeste do estado do Pará, está inserida dentro do bioma amazônico. Estudos recentes tiveram como objetivo entender o impacto das mudanças de clima na biodiversidade e nas interações entre espécies de animais e de plantas. Como dito acima, as espécies não ocorrem isoladamente e existem dependências mútuas entre elas. Três exemplos dessas interações são a polinização, a dispersão de sementes e o controle biológico. Muitas plantas dependem de polinização por animais para sua reprodução, ou seja, para produzir seus frutos e sementes. Da mesma forma, muitas têm seus frutos e sementes dispersados por animais, o que ajuda a manter populações estáveis em regiões diferentes dentro de sua área de distribuição. O controle biológico, especialmente de insetos que atuam como praga, também é importante para defender as plantas de seus inimigos naturais, e essa atividade ocorre principalmente por animais que consomem, diariamente, quantidades consideráveis de insetos para se alimentar. Essas três formas de interação citadas são principalmente executadas por três grupos de animais: as abelhas, aves e morcegos. 

Exemplos dos três grupos estudados devido a sua importância como polinizadores, dispersores de sementes e controladores de pragas. As fotos mostram três exemplos de polinizadores: abelha mamangava em flor de maracujazeiro (foto de Ulysses Maia), beija-flor em flor de ipomeia (foto de Lourival Tyski) e uma das espécies de morcego analisadas (foto de Robson A. Zampaulo).

Ao todo, foram analisadas mais de 900 espécies dos três grupos citados acima que ocorrem em Carajás. O impacto potencial da mudança climática foi averiguado considerando-se mudanças na adequabilidade de habitat e foram feitas diferentes projeções usando diferentes cenários de emissão de carbono para os anos de 2050 e 2070.

Os resultados mostraram que os polinizadores, potencialmente, poderão sofrer os impactos mais acentuados, seguidos dos dispersores de sementes e dos animais que fazem controle biológico.

Isso pode ter várias consequências em relação às interações com as plantas, podendo afetar sua reprodução e gerar um efeito cascata.

Além dos trabalhos terem identificado quais espécies são potencialmente mais vulneráveis, eles indicaram também quais áreas são climaticamente mais estáveis. Como a maioria das espécies não ocorre apenas em Carajás mas, ao contrário, tem ampla distribuição geográfica, a projeção dessas áreas estáveis foi feita para o estado do Pará. Os resultados mostraram que áreas ao oeste e norte do estado poderão ser adequadas para parte das espécies analisadas. Assim, foi desenvolvida uma análise de priorização de áreas para conectar o mosaico de áreas protegidas que engloba Carajás com essas outras áreas climaticamente adequadas no estado, visando ajudar as espécies a encontrar corredores de áreas preservadas em sua movimentação forçada pelas mudanças climáticas em busca de novos habitats. O resultado evidenciou, principalmente, áreas ao oeste de Carajás, em direção ao conjunto de áreas protegidas da Terra do Meio (veja o mapa na figura abaixo).

Áreas prioritárias para corredores ecológicos, visando conectar o complexo de áreas protegidas de Carajás (CC) e da Terra do Meio (CTM). As áreas em vermelho indicam áreas urbanas/antropizadas. Fonte: artigo de Leonardo Miranda e colaboradores.

As áreas climaticamente estáveis podem envolver estratégias de restauração ou conservação, caso estejam desmatadas ou ainda possuam florestas, respectivamente. Sistemas agroflorestais podem ser úteis para essas estratégias, pois aliam conservação com geração de renda para as populações locais, além de ajudarem a reduzir a vulnerabilidade alimentar, uma preocupação também causada pela mudança climática em curso. Tais programas podem ajudar na manutenção das funções do ecossistema e garantir um fluxo adequado de seus benefícios para o ser humano (conhecidos como serviços de ecossistema), tais como o sequestro de carbono, regulação local do clima e proteção dos recursos hídricos.

Ciência se faz com parceria

Além de colegas do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável, os principais parceiros deste projeto foram a Prof. Dra. Vera Lucia Imperatriz Fonseca e o Prof. Dr. Antonio Mauro Saraiva, ambos professores titulares da Universidade de São Paulo. Também participaram ativamente o Dr. Wiliam França Costa, que atualmente também é professor da Universidade de São Paulo e o Dr. Leonardo Miranda, atualmente na Universidade de Lancaster (Inglaterra). A agência financiadora foi o CNPq (projeto n. 446167/2015-0). O projeto contou com a infraestrutura do Instituto Tecnológico Vale.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Costa, W.F. et al. 2018. Bat diversity in Carajás National Forest (Eastern Amazon) and potential impacts on ecosystem services under climate change. Biological Conservation, 218, 200-210. (acesse aqui)

Miranda, L. S. et al. 2019. Climate change impact on ecosystem functions provided by birds in southeastern Amazonia. PLoS One, 14. (acesse aqui).

Giannini, T.C. et al. 2020. Climate change in the Eastern Amazon: crop-pollinator and occurrence-restricted bees are potentially more affected. Regional Environmental Change, 20, 1-10. (acesse aqui)

Giannini, T. C. et al. 2021. Flora of Ferruginous Outcrops Under Climate Change: A Study in the Cangas of Carajás (Eastern Amazon). Frontiers in Plant Science 12, 1-11. (acesse aqui)

Miranda, L.S. et al. 2021. Combining connectivity and species distribution modeling to define conservation and restoration priorities for multiple species: A case study in the eastern Amazon. Biological Conservation, 257, 109148-109148. (acesse aqui)

Sobre a autora

Tereza Cristina Giannini é bióloga e trabalha no Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável. É professora permanente no programa de Pós Graduação em Zoologia da Universidade Federal do Pará. Integra o grupo sobre Serviços Ecossistêmicos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Veja mais nas plataformas Lattes e OrcID.

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