O incrível Cinturão Cauarane-Coeroeni: O que se sabe sobre a sinuosa e antiga estrutura que separa as rochas do norte da Amazônia?

22 de julho de 2021 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Willian Matheus Zambonin 

Grandes estruturas geológicas são fundamentais para o controle da hidrografia de uma região. Consequentemente, também agem como um dos fatores que guiam processos evolutivos em uma determinada localidade, agindo como barreira geográfica regional. Um grande exemplo de estrutura geológica é a falha de Santo André, no estado da Califórnia (EUA). Esta estrutura às vezes atua como um agente controlador da inundação do rio Colorado, além de capturar as drenagens que se encontrarem em seu caminho.

Nesse texto, iremos abordar uma das grandes estruturas geológicas da Amazônia localizada no Cráton Amazônico, uma grande região ao norte da América do Sul, onde estão concentradas rochas bem antigas, com idades entre 0,99 a 3,1 Milhões de anos (Ma). O termo cráton, dado a esta região, é relacionado a áreas de estabilidade tectônica (ausência de grandes eventos de criação ou destruição de crosta) há pelo menos 200 Ma. A estrutura geológica que iremos abordar é chamada de Cinturão Cauarane-Coeroeni (leia-se Cauarane-Curuni). Sabendo então da importância que um controle estrutural exerce sobre uma região, investigamos essa estrutura importante do Escudo das Guianas (Porção norte do Cráton Amazônico).

O Cinturão Caurane-Coeroeni é uma estrutura geológica formada principalmente de rochas metassedimentares deformadas nas facies (uma forma de agrupar rochas que possuam características em comum, neste caso, relacionando condições de pressão e temperatura), desde  facies granulito a anfibolito. Mas o que isso tudo significa?

Basicamente, entende-se que uma rocha metassedimentar é uma rocha que passou por um processo de metamorfismo (que é o conjunto de processos geológicos que leva à formação dessas rochas), o qual converteu sua mineralogia à outra mais adaptada a ambientes geológicos de maior pressão e temperatura. Neste novo ambiente geológico, a rocha é dominada por uma assembleia mineralógica derivada a partir da composição química dos minerais originais da rocha sedimentar que deu origem a ela.

Representação básica do desenvolvimento e formação das rochas do Cinturão Cauarane-Coeroeni. Créditos: Willian Matheus Zambonin.

Mas o que é facies anfibolito? Granulito? Isso é uma forma de um geólogo ter uma noção dos parâmetros de pressão e temperatura que foram envolvidos na transformação desta rocha. Para a classificação destas facies, é necessário que um geólogo identifique a assembleia mineralógica que forma esta nova rocha. Permitindo, assim, classificar conforme o diagrama abaixo.

Diagrama de pressão versus temperatura evidenciando os campos de facies metamórficas. Adaptado de Bucher e Grapes, 2011.

A história do Cinturão Cauarane-Coeroeni começa há muito tempo, há cerca de 2040 Milhões de anos. Existiam duas regiões montanhosas formadas por granitóides (nomenclatura genérica para englobar rochas com aparência granítica, compostas principalmente por cristais de quartzo e feldspato). Estas cadeias montanhosas hoje são representadas no registro geológico brasileiro como Complexo Anauá (ao sul de Roraima) e Suíte Trairão (ao norte de Roraima). Mas vale destacar que várias montanhas (ou unidades litoestratigráficas) ao longo das bordas do Cinturão Cauarane-Coeroeni também fizeram parte deste processo.

Estas montanhas passaram por um processo de desintegração, conhecido como intemperismo, onde (ao longo do tempo geológico) partículas de rocha e minerais se soltaram e rolaram montanha abaixo em direção a vales e rios. Estas partículas então começaram a se depositar, dando origem a uma Bacia Sedimentar, chamada de Cauarane-Coeroeni.

Então, há cerca de 1994 milhões de anos, uma reviravolta de eventos ocorreu. As cadeias montanhosas começaram a ser “empurradas”, uma em direção à outra, criando um ambiente de maior pressão e baixa temperaturas nos sedimentos da bacia Cauarane-Coeroeni, iniciando um processo de metamorfismo nestas rochas. E como isso não fosse o suficiente, entre 1990 a 1915 milhões de anos atrás, este evento cataclísmico deu origem a novas cadeias de montanhas, hoje registradas como Complexo Rio Urubu (ao sul do cinturão) e Suíte Pedra Pintada (ao norte do cinturão). O magma e o calor envolvidos na criação destas novas unidades geológicas também interagiram na transformação metamórfica das rochas sedimentares da bacia sedimentar, dando o toque final no que conhecemos hoje como o Cinturão.

Apesar de parecer que temos muitas informações sobre o Cinturão Caurane-Coeroeni, não temos tantas assim, estamos apenas “na ponta deste iceberg”.

Ainda são necessárias extensas investigações ao longo de toda sua extensão para definir se essa estrutura realmente possui toda a sua dimensão, e se todas as suas secções possuem uma história geológica semelhante.

Portanto, este Cinturão de 2040 Milhões de anos de rochas metassedimentares, hoje se configura como uma das fronteiras do conhecimento geológico do Escudo das Guianas, com potencial de fornecer bastante informação sobre a evolução tectônica do Cráton Amazônico, visto que esta grande estrutura geológica se estende, de forma sinuosa, desde a Venezuela até a Guiana Francesa e acaba “dividindo” o escudo das guianas entre suas rochas mais novas (a nordeste) e mais antigas (a sudoeste).

Mas afinal, vale todo este esforço para compreender a história desta região? A resposta é sim. Conhecer as riquezas, detalhes e o que foi registrado ao longo do tempo geológico nas rochas onde hoje construímos nossas casas é uma peça essencial para compreender o que hoje é a Amazônia.

Ciência se faz com parceria

Os resultados apresentados neste texto são oriundos de um levantamento bibliográfico realizado por Willian Matheus Zambonin durante a confecção de seu trabalho de conclusão de curso de bacharelado em Geologia na Universidade Federal de Roraima, sob orientação do Prof. Dr. Stélio Tavares Jr. (líder do Grupo de Pesquisa Dinâmica da Paisagem do domínio Savana/Floresta-Roraima-GRUPPARR).

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Fraga, L. M., Cordani, U., Kroonenberg, S., De Roever, E., Nadeau, S. Maurer, V. C. (2017). U-Pb SHRIMP new data on the high-grade supracrustal rocks of the Cauarane-Coeroeni Belt – Insights on the tectonic eo-orosirian evolution of the Guiana Shield. In: Anais do 15º Simpósio de Geologia da Amazônia. (acesse aqui)

Kroonenberg, S. B., De Roever, E. W. F., Fraga, L. M., Reis, N. J., Faraco, T., Lafon, J. M., Cordani, U., Wong, T. E. (2016). Paleoproterozoic evolution of the Guiana Shield in Suriname: A revised model. Netherlands Journal of Geosciences, 95(4), 491-522. (acesse aqui)

Teixeira, W. , Motta de Toledo, M. C., Fairchild, T. R., Taioli, F. (2007). Decifrando a Terra. Companhia Editora Nacional, 2ª edição. (veja uma resenha aqui)

Willian Matheus Monção Zambonin atualmente é mestrando na Universidade de Brasília, tendo se graduado como Bacharel em Geologia pela Universidade Federal de Roraima. Hoje investiga a Zona de Cisalhamento Coxixola (Província Borborema – NE).

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