Os benefícios econômicos da conservação da Amazônia e do Cerrado para a agricultura brasileira
17 de setembro de 2021 | Tempo de leitura: 8 minutos
Por Rafaela Flach e Gabriel Abrahão
Nas últimas décadas, a Amazônia e o Cerrado passaram por grandes mudanças. Juntos, estes biomas perderam mais de 70 milhões de hectares de vegetação nativa. Com todo esse desmatamento foi perdida parte dos inúmeros serviços que esses biomas podem prover à população, à economia, e à biodiversidade. Dentre estes está a capacidade da vegetação nativa de regular o clima no seu entorno, fundamental para a agricultura e a pecuária da região.
O valor total dos benefícios proporcionados por esses biomas é inestimável. Entretanto, é possível estimar o valor de serviços específicos proporcionados a alguns setores da economia. Em um trabalho publicado na revista científica World Development, nós estimamos os benefícios que o controle de desmatamento pode prover à economia da soja no Brasil, levando em consideração o papel que a vegetação nativa tem em regular a temperatura em seu entorno, e o efeito prejudicial que a exposição ao calor extremo causa à produtividade agrícola.
Como a perda de vegetação nativa nestes biomas afeta a temperatura? E como isso afeta a agricultura?
O clima de uma região depende muito da cobertura do solo. As árvores na Amazônia e do Cerrado tendem a aproveitar a água no solo, e redirecionar os ventos que passam sobre elas. O resultado é um clima menos quente, mais úmido e mais favorável à formação de nuvens de chuva. Quando essa vegetação nativa é substituída por outros tipos de cobertura do solo como pastos e agricultura, a alteração dessas propriedades afeta o clima na área desmatada e em vários quilômetros no seu entorno.
Para se ter uma ideia desse impacto, pesquisadores descobriram que a temperatura máxima é em média 2 ℃ mais quente em uma área desmatada do que em uma área completamente florestada em regiões tropicais. Outros descobriram que a temperatura máxima aumenta 0.82 ℃ para cada 25% de desmatamento num raio de 1 a 50 km no seu entorno.
O aumento da temperatura pode prejudicar a agricultura. Temperaturas muito altas causam, entre outros efeitos, a perda excessiva de água, a aceleração do ciclo da cultura, e podem prejudicar a floração. No caso da soja – assim como de outras plantas – cada hora de exposição a temperaturas acima de um valor crítico (por volta de 30 °C) está associada a perdas de produtividade. Na região do Cerrado, a exposição ao calor extremo causada por um aumento de 1 °C na temperatura máxima leva a uma redução de 8 a 14% na produtividade da soja. Isso vale para variações na temperatura que ocorrem naturalmente entre os anos, mas também para o aquecimento causado tanto pelo desmatamento quanto pelas mudanças globais que vêm ocorrendo no clima.
No nosso estudo, combinamos as melhores estimativas que temos desses dois efeitos para estimar o valor que a floresta em pé tem para a agricultura de soja no seu entorno. Examinamos primeiro o efeito do desmatamento na temperatura e na exposição ao calor extremo, em seguida o efeito do aumento dessa exposição na produtividade da soja, e finalmente o impacto financeiro devido às mudanças da produtividade da soja. Estas análises foram feitas para o desmatamento observado no passado (1985-2012), e para projeções de desmatamento futuro (2020-2050).
E o que nós encontramos?
As duas análises nos dão respostas diferentes; a análise do passado identifica “oportunidades perdidas”, ou o potencial de produção de soja que foi perdido devido ao aumento na exposição de calor extremo pelo desmatamento que já ocorreu. A análise futura, por outro lado, mostra as oportunidades que políticas de controle de desmatamento podem oferecer, melhorando a produtividade dessa cultura.
Distribuição espacial da renda estimada perdida pelo setor de produção de soja em 2012 considerando desmatamento desde 1985 (milhões de dólares por hectare).
Nós estimamos que as potenciais perdas para o setor da soja no Cerrado e na Amazônia podem ter chegado a 1.3 bilhões de dólares no ano de 2012 devido ao desmatamento. Os resultados dos cenários futuros, entretanto, demonstram o potencial de produção que temos pela frente se protegermos estes biomas. Ao comparar um cenário no qual as atuais tendências de desmatamento se mantêm no futuro com um cenário em que zeramos o desmatamento após 2020, nós estimamos que a preservação evita a perda de 3.5 bilhões de dólares de soja somente no ano de 2050 (figura abaixo).
Perda estimada de renda devido à redução de produtividade, como consequência da perda de vegetação nativa no Cerrado e na Amazônia, em três cenários futuros (bilhões de dólares por ano).
Esse valor representa só um dos muitos serviços que esses biomas preservados prestam para a humanidade. A Amazônia e o Cerrado geram outros bilhões de dólares em serviços como a captura de gases de efeito estufa, geração de produtos naturais como borracha e castanhas e a regulação da precipitação, além de outros de difícil valoração mas não menos importantes, como a manutenção da biodiversidade.
Tanto esse como vários outros estudos mostram que não há necessidade de desmatar hectares a mais no Brasil para suprir a demanda crescente de alimentos até o meio do século. O serviço de regulação do clima para a agricultura de soja faz com que o setor tenha muito a ganhar com a conservação desses biomas.
Ciência se faz com parceria
Esta pesquisa teve participação de pesquisadores da Universidade de Tufts (USA) a ClimateWorks Foundation (USA), Universidade de Stanford (USA), Universidade Federal de Viçosa (UFV, Brasil), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, Brasil), e Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA, Áustria).
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Alkama, R., Cescatti, A., 2016. Biophysical climate impacts of recent changes in global forest cover. Science (80-. ). 351, 600–604. (acesse aqui)
Cohn, A.S., Bhattarai, N., Campolo, J., Crompton, O., Dralle, D., Duncan, J., Thompson, S., 2019. Forest loss in Brazil increases maximum temperatures within 50 km. Environ. Res. Lett. 14, 084047. (acesse aqui)
Flach, R., Abrahão, G., Bryant, B., Scarabello, M., Soterroni, A.C., Ramos, F.M., Valin, H., Obersteiner, M., Cohn, A.S., 2021. Conserving the Cerrado and Amazon biomes of Brazil protects the soy economy from damaging warming. World Dev. 146, 105582. (acesse aqui)
Leite-Filho, A.T., Soares-Filho, B.S., Davis, J.L., Abrahão, G.M., Börner, J., 2021. Deforestation reduces rainfall and agricultural revenues in the Brazilian Amazon. Nat. Commun. 12, 1–7. (acesse aqui)
Rafaela Flach é engenheira ambiental formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR, Brasil), mestre em ciência da sustentabilidade pela universidade de Linköping (Suécia), e doutora na área de modelagem do sistema terrestre pela Universidade de Hamburgo (Alemanha). Veja mais no ResearchGate e Twitter.
Gabriel Abrahão é engenheiro agrícola e ambiental, com mestrado e doutorado em meteorologia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV, Brasil). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado no Potsdam Institute for Climate Impact Research (PIK, Alemanha). Veja mais no ResearchGate e Twitter e Instagram.