Os impactos das mudanças climáticas no ciclo da água na Amazônia
16 de dezembro de 2021 | Tempo de leitura: 10 min
Por Leonardo Vergasta e Weslley B. Gomes
Paisagem amazônica. Foto: Alex Ovando
A bacia Amazônica abrange cerca de 40% das florestas tropicais de todo o globo. Devido à sua grandeza e riqueza, a floresta e seus ecossistemas desempenham um papel importantíssimo no sistema climático global e principalmente na América do Sul. Mais informações sobre a importância da Amazônia para o sistema climático terrestre podem ser acessadas nestes links (a), (b) e (c).
Diversos estudos já mostraram que a floresta amazônica se comporta como um sumidouro de umidade da atmosfera, pois apresenta taxa de precipitação maior que evapotranspiração (exemplo de um estudo aqui). A umidade é proveniente tanto da floresta tropical, quanto do transporte de umidade do oceano Atlântico tropical e fonte indispensável de energia para a geração e manutenção da circulação atmosférica em escalas regional e global.
No entanto, nos últimos anos a bacia Amazônica tem experimentado diversas mudanças no sistema climático, devido tanto às variações naturais associadas aos modos de variação dos Oceanos Pacífico e Atlântico (El Niño Oscilação Sul – ENOS, Oscilação Decadal do Pacífico – ODP e Oscilação Multidecadal do Atlântico – OMA), quanto às ações antropogênicas decorrentes do aumento dos gases do efeito estufa (GEE’s) e às mudanças no uso e cobertura da terra, como desflorestamento, atividades agrícolas e mineração. Por exemplo, a taxa média anual do desflorestamento na Amazônia é da ordem de 13.800 km² com um total acumulado de 470.472 km² (período de 1988-2021). Mais informações sobre desmatamento na bacia amazônica podem ser vistas aqui.
Taxa anual de desmatamento desde 1988 na Amazônia Legal. Fonte: Plataforma Terrabrasilis
Tais mudanças no uso e cobertura do solo e aumento dos GEE’s podem trazer mudanças irreversíveis e impactar na temperatura do ar, mudanças nos padrões de precipitação e aumento na frequência de eventos extremos, como secas, inundações e incêndios florestais. Assim afetar os setores primários da agricultura, navegação fluvial e geração de energia, com prejuízos e danos aos povos e comunidades vulneráveis da Amazônia.
As projeções de mudanças no clima proveniente das simulações dos Modelos Climáticos do Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram redução e aumento na precipitação em diferentes regiões da América do Sul no fim do século XXI. No entanto, as incertezas dos modelos são grandes devido à enorme complexidade conceitual e prática dos Modelos do Sistema Terrestre (ESM – Earth System Model, em inglês) e dos Modelos Climáticos Regionais (RCM – Regional Climate Model, em inglês), que têm por objetivo simular matematicamente a atmosfera, os oceanos, a biosfera, a criosfera e suas interações físicas, químicas e biológicas.
Devido à grande complexidade desses modelos em simular as interações do sistema climático e as várias incertezas geradas por eles, nossos estudos buscaram validar e avaliar os efeitos do aumento dos GEE’s (cenário RCP 8.5) e as mudanças na cobertura da terra nos componentes do balanço de água na bacia Amazônica, utilizando o modelo regional Eta forçado com o a versão 2.5 do modelo Brazilian Earth System Model Ocean-Atmosphere, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Também validamos e avaliamos os efeitos dessas mudanças no ramo terrestre do balanço de água utilizando o Modelo hidrológico de Grandes Bacias (MGB).
Além do cenário de emissão (RCP 8.5), nós utilizamos três cenários de mudanças no uso da terra no modelo Eta-BESM considerando a) a vegetação atual (ano base de 2015); b) um cenário de degradação projetado para 2050 e c) outro cenário projetado para 2100. Veja aqui mais detalhes sobre a metodologia do trabalho.
Cenários de cobertura vegetal utilizados nas simulações com o modelo regional ETA. (a) Mapa de vegetação com áreas desflorestadas (ano base 2015); (b) Cenário projetado para o ano de 2050 e (c) Cenário projetado para o ano de 2100. Fonte: Gomes et al. (2020)
A figura abaixo apresenta a distribuição de precipitação média para as estações chuvosa (DJF) e seca (JJA) simulada pelo modelo Eta-BESM para período de referência (1979-2005) e as mudanças projetadas (2071-2100) sob o RCP 8.5 e cenários de desmatamento (2050 e 2100).
Os resultados da precipitação para o cenário RCP 8.5 e cenários de desmatamento na estação úmida (chuvosa) apresentam uma redução que ocorre dentro de uma área que se estende da bacia Amazônica passando pelas regiões central e sul do Brasil, regiões onde está localizada a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). A precipitação na região da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) apresentou-se enfraquecida e deslocada ao norte de sua posição climatológica no Atlântico Tropical, o que produziu menos precipitação na bacia Amazônia. As mudanças na precipitação na estação seca apresentaram um padrão de redução no norte, mas aumento no sul da bacia, se estendendo para o centro-sul do Brasil.
Assim, as mudanças na precipitação foram intensificadas com a inclusão dos desflorestamentos futuros, mostrando que o aumento dos GEE’s combinado com as mudanças no uso da terra contribui sinergicamente para afetar o ciclo de água sobre a bacia Amazônica.
Impactos na precipitação (mm dia-1) decorrentes dos cenários de mudanças nos usos da terra e cenário de emissão dos GEE’s (RCP 8.5) para as estações úmida e seca. Fonte: Gomes et al. (2020)
Já para detecção mais precisa desses impactos nos recursos hídricos, utilizamos o modelo matemático MGB para avaliar as mudanças futuras projetadas para vazão do rio Madeira. A figura abaixo apresenta a variação sazonal da vazão e precipitação para o clima presente e cenários futuros de emissão de GEE’s com desflorestamento de 2015 e com projeções de desflorestamento para 2050 e 2100. Nas estações de Guajará-Mirim, Porto Velho, Humaitá e Manicoré foi observado um aumento intenso das vazões durante todo o ano para todos os cenários futuros. Entretanto, as mudanças na vazão foram maiores durante o período de estiagem. Nestas estações, o efeito das mudanças no clima devido à emissão do GEE’s foi mais importante do que aquele decorrente dos cenários de desflorestamento (2050 e 2100). As estações de Tabajara e Ariquemes estão localizadas em afluentes do rio principal, enquanto as demais estão posicionadas no próprio rio Madeira. Desta forma, o rio principal controla o escoamento em seus afluentes. Assim, quando os níveis d’água nos grandes rios se elevam, parte do volume d’água escoa para as respectivas planícies de inundação. Ao mesmo tempo, os pequenos afluentes são represados, diminuindo e muitas vezes invertendo o sentido do fluxo das vazões. Nestas estações se observaram diferentes mudanças para cada cenário futuro de emissão e desflorestamento.
Variação sazonal da vazão e precipitação para o clima presente (vermelho) e cenários futuros de emissão de GEE’s (RCP 8.5) com desflorestamento de 2015 (azul) e com projeções de desflorestamento para 2050 (amarelo) e 2100 (verde). Fonte: Gomes et al. (2020b).
Os resultados obtidos mostram que as mudanças no ciclo de água na Amazônia devido a fatores antropogênicos caracterizam um cenário preocupante, pois podem desencadear alterações significativas nos ecossistemas naturais da Amazônia, já que os mesmos não apresentam grande capacidade de adaptação à magnitude das mudanças no clima, sobretudo se estas ocorrerem em um curto intervalo de tempo.
As conclusões alcançadas indicam que, se o desenvolvimento sustentável e as políticas de conservação não agirem no sentido de deter o aumento da degradação ambiental na Amazônia e o aumento global das emissões dos gases do efeito estufa, as mudanças no ciclo da água podem conduzir o sistema clima-bioma a um novo estado de equilíbrio, no qual um tipo diferente de vegetação (provavelmente cerrado) se adaptaria às novas condições climáticas estabelecidas na bacia Amazônica.
Ciência se faz com parceria
As informações deste texto fizeram parte dos resultados do projeto de pesquisa (CAPES/ANA) coordenado por três pesquisadores (Dra. Chou Sin Chan – INPE; Dr. Francis Wagner – UEA/INPA e Dr. Walter Collischonn – IPH) e que teve por objetivo geral realizar um estudo de modelagem climática e hidrológica a fim avaliar os impactos decorrentes das mudanças no clima e no uso da terra nos recursos hídricos na bacia Amazônica
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Gomes et al. 2020. Water budget changes in the Amazon basin under RCP 8.5 and deforestation scenarios. Climate Research, 80(2), 105-120. (acesse aqui)
Gomes et al. 2020. Avaliação dos Impactos das Mudanças na Cobertura da Terra e Cenário de Emissões (RCP 8.5) no Balanço de água na Bacia do Rio Madeira. Revista Brasileira de Meteorologia, 35, 689-702. (acesse aqui)
Vergasta et al. 2021. Assessment of the Water Budget in Madeira River Basin Simulated by the Eta Regional Climate And MGB Large-Scale Hydrological Models. Revista Brasileira de Meteorologia. (acesse aqui)
Leonardo Vergasta e Weslley Gomes são meteorologistas formados pela Universidade do Estado do Amazonas, com mestrado e doutorandos em Clima e Ambiente no PPG-CLIAMB pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/UEA). Suas pesquisas são desenvolvidas atualmente no Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre (LABCLIM/UEA). Ambos possuem experiência em Modelagem Climática e Hidrológica, Interação Biosfera-Atmosfera, Mudanças no Uso e Cobertura da Terra e Mudanças Climáticas. Veja mais na Plataforma Lattes de Leonardo e de Weslley.