Fossa Alta Comunitária como solução para os desafios de tratar o esgoto nas várzeas da Amazônia

28 de outubro de 2021 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Cássio Augusto da Silva Oliveira e João Paulo Borges Pedro

Apenas 22% da população amazonense possui coleta de esgoto, e a taxa de tratamento não chega a 19%. Com estes dados, o cenário do tratamento de esgoto do Amazonas é um dos piores do Brasil. Uma das razões para essa situação é o desafio em implementar tecnologias de tratamento de esgoto nas planícies alagáveis do Amazonas, conhecidas regionalmente como várzeas. Essas áreas correspondem a aproximadamente 307.300 km2 (equivalente a 43 mil campos de futebol) e estão sujeitas a inundação e vazão periódica dos rios, com inundações que duram cinco meses e variação no nível de 12 m.

Outro desafio do saneamento rural no Amazonas são as poucas soluções tecnológicas disponíveis e adequadas para o tratamento do esgotamento em áreas alagáveis, pois as tecnologias convencionais não são aplicáveis a este ambiente. Para superar estes desafios, o Instituto Mamirauá vem trabalhando ao longo de anos no desenvolvimento de uma tecnologia social para o tratamento de esgoto que considera o anseio da população local, para que o arranjo tecnológico seja apropriado por ela.

Assim nasce o arranjo da Fossa Alta Comunitária (FAC): composta de um sanitário privativo e um sistema de tratamento de esgoto especificamente desenvolvida para as várzeas, ambos projetados para funcionarem o ano todo, inclusive durante as cheias dos rios. Atendendo às demandas das populações ribeirinhas, a FAC possui vaso sanitário com descarga de água, oferece privacidade, segurança e conforto. O sanitário é construído dentro de casa, e o sistema de tratamento é próximo dela.

Ao Centro a Fossa Alta Comunitária atendendo três residências durante a cheia do Rio Solimões. Mesmo no período da cheia as famílias têm um sanitário adequado para uso. Foto: João Paulo Borges Pedro

A FAC é considerada um sistema de tratamento semicoletivo: recebe as águas de vaso sanitário de até quatro residências simultaneamente (cada residência possui sanitário próprio). Essa característica reduz o custo per capita de implementação em até 80% se comparado a um sistema que atende a uma só residência, tornando-a mais acessível. Sua manutenção, que consiste na remoção do lodo dos tanques uma vez por ano e reparos eventuais nas tubulações, é simples e pode ser realizada facilmente pelos próprios moradores.

O sistema da Fossa Alta Comunitária. Foto: João Paulo Borges Pedro

O processo participativo de instalação. Fotos: João Paulo Borges Pedro

A FAC foi instalada na comunidade Santa Maria, localizada na Ilha do Tarará em Tefé/AM, e na comunidade São Raimundo do Jarauá, em Uarini/AM. Para permitir apropriação social, a tecnologia é sempre instalada com a participação ativa da comunidade. No total, foram beneficiados mais de 250 ribeirinhos. Um vídeo sobre a Fossa Alta Comunitária, o processo de implementação e seu impacto na vida dos ribeirinhos pode ser visto no vídeo abaixo.

A Fossa Alta Comunitária foi certificada pelo Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social em 2021, sendo reconhecida, portanto, como uma tecnologia social com potencial de melhorar a qualidade de vida dos moradores ribeirinhos.

 

Ciência se faz com parceria

A Fossa Alta Comunitária é uma tecnologia social de tratamento de esgoto para comunidades ribeirinhas localizadas nas planícies alagáveis da Amazônia. Foi desenvolvida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como parte da pesquisa de doutorado do pesquisador João Paulo Borges Pedro sob orientação de Marcos Von Sperling (umas das maiores referências em tratamento de esgoto no Brasil).

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Fossa Alta Comunitária. Transformar! Rede de Tecnologias Sociais, 2021. (acesse aqui)

Notícia sobre a FAC no site do Instituto Mamirauá: Mais uma Tecnologia Social do Instituto Mamirauá é certificada pela Fundação Banco do Brasil. (acesse aqui

Borges Pedro, J. P., Oliveira, C. A. D. S., de Lima, S. C. R. B., & von Sperling, M. (2020). A review of sanitation technologies for flood-prone areas. Journal of Water, Sanitation and Hygiene for Development10(3), 397-412. (acesse aqui

Borges Pedro, J. P., Gomes, M. C. R. L. e Silva do Nascimento, A. C. (2011). Review of Wastewater Treatment Technologies for Application in Communities in the Amazonian Varzea. Scientific Magazine UAKARI, 7(1), 59-69. (acesse aqui

IBGE. (2018). Perfil dos municípios brasileiros: Saneamento básico: Aspectos gerais da gestão da política de saneamento básico: 2017. Rio de Janeiro. (acesse aqui)

Cássio Augusto da Silva Oliveira possui graduação em Licenciatura em Química pela Universidade do Estado do Amazonas (2012) e mestrado em Química Analítica pela Universidade Federal do Amazonas (2016). É pesquisador em saneamento rural do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Grupo de Pesquisa em Inovação, Desenvolvimento e Adaptação de Tecnologias Sustentáveis (GPIDATS). Veja mais na Plataforma Lattes

João Paulo Borges Pedro é graduado em Tecnologia em Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Maringá, mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de saneamento em comunidades rurais na Amazônia. Atualmente é pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Grupo de Pesquisa em Inovação, Desenvolvimento e Adaptação de Tecnologias Sustentáveis (GPIDATS). Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.

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