Mudança de uso da terra na Amazônia e seus impactos sobre os microrganismos do solo

17 de novembro de 2022 | Tempo de leitura: 6 minutos

Por Andressa M. Venturini

Quando você pensa na Floresta Amazônica, qual é a primeira imagem que lhe ocorre?

Muito provavelmente, a maioria das pessoas lembra da enorme diversidade de plantas e animais que habita essa floresta. Contudo, parte dos processos ecológicos fundamentais para sua manutenção são realizados por organismos que, muitas vezes, são desconhecidos para nós: os microrganismos, que incluem as bactérias e as arquéias.

Floresta Nacional do Tapajós (PA – Brasil). Foto tirada de cima da Torre de Monitoramento e Observação em julho de 2015. Fonte: Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP).

Biomassa da Terra em gigatoneladas de carbono (Gt C). 1 Gt C equivale a 1015 g de carbono. Plantas, 450 Gt C; bactérias, 70 Gt C; fungos, 12 Gt C; arquéias, 7 Gt C; protistas, 4 Gt C; animais, 2 Gt C; e vírus, 0,20 Gt C. Fonte: Gif de autoria própria, adaptado de Bar-On et al. (2018).

No solo, esses organismos participam de diversos processos, atuando, por exemplo, na ciclagem de nutrientes, estocagem de carbono e decomposição da matéria orgânica. Eles podem influenciar no crescimento e saúde das plantas e até mesmo produzir e consumir gases de efeito estufa.

Mudança de uso do solo na Amazônia

Hoje, a Floresta Amazônica se encontra ameaçada devido ao avanço do desmatamento na região e do processo de mudança de uso do solo. A maior parte das áreas desmatadas tem se tornado pastagens: 63%, de acordo com os dados de 2014 do projeto TerraClass, uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Tais eventos alteram as características químicas, físicas e biológicas originais desses solos, o que significa que as comunidades de microrganismos também podem ser afetadas.

Desmatamento: fronteira do território do Parque Indígena do Xingu e grandes fazendas de soja na floresta Amazônica. Foto: Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP).

O trabalho de Jorge L. M. Rodrigues, professor da Universidade da Califórnia (UC Davis), e colaboradores, no estado de Rondônia, mostrou que as comunidades bacterianas do solo se tornaram mais homogêneas (isto é, mais similares ao longo do espaço) em resposta à conversão floresta-pastagem. Essas mesmas amostras foram analisadas por Fabiana Paula e colaboradores, atualmente pós-doutoranda da Universidade de São Paulo, através da técnica de GeoChip, capaz de analisar milhares de genes microbianos de interesse simultaneamente. Seus resultados mostraram que os potenciais processos desempenhados pelos microrganismos no ambiente também são impactados pela mudança de uso do solo.

O metano (CH4) é o segundo gás mais importante de efeito estufa. O CH4 tem um potencial de aquecimento global – em um período de 100 anos – 28 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), e sua abundância na atmosfera tem aumentado rapidamente desde 2007, tornando-se um motivo de grande preocupação para a comunidade científica. O ciclo do metano no solo é controlado por dois grupos de microrganismos: organismos produtores desse gás (metanogênicos) e consumidores (metanotróficos) (em sua maioria, arquéias e bactérias, respectivamente). Ambos os grupos apresentam diferentes características, de modo que quando alteramos o solo, o equilíbrio entre esses organismos também pode ser comprometido.

 Acompanhe as emissões de metano na atmosfera clicando aqui.

Ciclo microbiano do metano no solo. Fonte: Andressa M. Venturini.

Fiz meu doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP), sob supervisão da Profa. Siu M. Tsai, com um período sanduíche na Universidade de Oregon nos Estados Unidos, onde utilizei métodos baseados em DNA para explorar os microrganismos dos solos Amazônicos. As pesquisas das quais participei, como o trabalho de Meyer e colaboradores e o artigo resultante do meu projeto de pesquisa, Venturini e colaboradores, demonstraram que a transformação de florestas para pastagens (em Rondônia e no Pará) tem alterado a abundância e a diversidade desses organismos do ciclo do metano. Dessa forma, com a conversão, áreas que costumam ser sumidouros de metano podem passar a emitir esse gás, especialmente sob determinadas condições ambientais, como elevada umidade.

E o futuro das pesquisas com microrganismos do solo? 

Uma das coisas mais fascinantes da microbiologia é que é uma área de estudo em constante evolução. Graças às técnicas modernas de sequenciamento de DNA e de análise de dados, podemos estudar os milhares de microrganismos presentes em uma amostra de solo, incluindo organismos que ainda não podem ser cultivados em laboratório. Esses métodos nos ajudam a compreender as comunidades microbianas dos solos da Amazônia, podendo revelar os organismos presentes e suas potenciais funções no ambiente. Atualmente, através das ferramentas da bioinformática, podemos até recuperar genomas quase completos de organismos até então desconhecidos por nós, tema de pesquisa do meu pós-doutorado. Dessa forma, de micróbio a micróbio, estamos cada vez mais perto de decifrar as comunidades desses solos e como esses organismos estão sendo afetados pelos processos de desmatamento e mudança de uso da terra, revelando assim seus impactos na floresta como um todo.

Ciência se faz com parceria

Os trabalhos da autora foram realizados no Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP), na Universidade de Oregon (UO) e na Universidade de Princeton, ambas nos Estados Unidos. Durante o seu doutorado no CENA, recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Código de Financiamento 001), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, #140032/2015-0) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, #2015/13546-7 e #2017/09643-2), enquanto no pós-doutorado, foi bolsista da FAPESP (#2019/25931-3) e do Programa de Bolsas de Pesquisa do CENA/USP. Tais estudos fizeram parte do projeto temático FAPESP Dimensões US-BIOTA – São Paulo (#2014/50320-4). Durante o pós-doutorado em Princeton, a autora foi financiada pelo programa Fung Global Fellows Program.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Artigos científicos:

Bar-On et al. 2018. The biomass distribution on Earth.  Proceedings of the National Academy of Sciences, 115(25), 6506-6511. (acesse aqui).

Meyer et al. 2020. Belowground changes to community structure alter methane-cycling dynamics in Amazonia. Environment International, 145, 106131. (acesse aqui).

Pula et al. 2014. Land use change alters functional gene diversity, composition and abundance in Amazon forest soil microbial communities. Molecular Ecology, 23(12), 2988-2999. (acesse aqui)

Rodrigues et al. 2013. Conversion of the Amazon rainforest to agriculture results in biotic homogenization of soil bacterial communities. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110(3), 988-993. (acesse aqui)

Venturini et al. 2022. Increased soil moisture intensifies the impacts of forest-to-pasture conversion on methane emissions and methane-cycling communities in the Eastern Amazon. Environmental Research, 212, 113139. (acesse aqui)

Venturini  et al. 2022. Genome-resolved metagenomics reveals novel archaeal and bacterial genomes from Amazonian forest and pasture soils. Microbial Genomics, 8(7). (acesse aqui)

Andressa M. Venturini é bióloga, mestra e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou estágio no Instituto de Ecologia da Holanda e, durante o doutorado, na Universidade de Oregon (UEA). Foi professora da Universidade Paulista (UNIP Sorocaba) e realizou pós-doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP e na Universidade de Princeton (EUA). Atualmente, é pós-doutoranda da Universidade de Stanford. Veja mais na Plataforma Lattes, no Twitter, no ResearchGate e no site da Andressa.  

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