Instituto Juruá une ciência e apoio aos movimentos sociais para promover a conservação da Amazônia
22 de junho de 2022 | Tempo de leitura: 6 minutos
Por Clara Machado
Navegar pelo rio Juruá, um dos mais extensos do mundo, em um barco lento contemplando a sua água branca, as florestas inundadas que o margeiam e as casas feitas por tábuas de madeira rodeadas de canoas, com a brisa da floresta refrescando o calor e dissipando os insetos, é uma experiência calma, única e indescritível. Mas olhando apenas pelo parapeito do barco, não podemos imaginar a história desse rio que, longe de calma, envolve muita luta, organização e resistência.
Embarcação do Instituto Juruá navegando pelos rios da Amazônia. Foto: Bernardo Oliveira.
A região do Médio rio Juruá desde o final do século XIX até o final dos anos 1980 era dominada pelos barões da borracha, homens que se declaravam donos das terras e escravizavam indígenas e trabalhadores trazidos do nordeste do Brasil, que buscavam emprego e melhores condições de vida. Organizados em seringais, os trabalhadores escravizados moravam em colocações, distantes uns dos outros, extraíam borracha da Hevea brasiliensis (conhecida como seringueira e árvore-da-borracha) enquanto o patrão vendia alimentos básicos a alto custo, mantendo-os sempre em dívida. Os relatos de maus tratos, tortura e morte são conhecidos na região.
Com a queda do ciclo econômico da borracha, quando o Brasil perdeu espaço internacional na comercialização do produto, os seringais são relegados ao abandono e a população começa a comercializar com barqueiros intermediários, que transportavam a produção da floresta às cidades e realizavam a comercialização de produtos industrializados básico nas zonas rurais, ainda a preços injustos e mantendo a lógica vigente de dominação.
Extração da seiva da seringueira (Hevea brasiliensis) para produção de borracha. Foto: Whaldener Endo.
No início dos anos 1990, incentivados pela luta por emancipação liderada por Chico Mendes, no Estado do Acre, que culminou na criação da primeira Unidade de Conservação brasileira, os moradores do Médio Juruá, já organizados em comunidades, comercializam sua produção de forma autônoma nas cidades, banindo os atravessadores e criando associações próprias. A Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC) foi a primeira organização criada e até hoje é um grande exemplo para a Amazônia, coordenando as atividades no território com muita experiência e dedicação.
A mobilização social no Médio Juruá garantiu aos moradores a comercialização de produtos da floresta a preços justos, a melhoria na qualidade de vida e a garantia do território com a criação de duas Unidades de Conservação na região: a Reserva Extrativista do Médio Juruá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari.
Para além do histórico de luta social, o Médio Juruá é conhecido por ser um ambiente muito preservado na Amazônia, com ecossistemas de alta produtividade e muito rico em biodiversidade. Por isso, atraiu pesquisadores que, ainda no final dos anos 1980, se aventuravam em regiões remotas, de difícil acesso e pouca infraestrutura para pesquisas científicas. Nesse contexto, já em 2007, foi criado o “Projeto Médio Juruá”, fruto de estreitas relações de amizade e parceria entre pesquisadores e comunidades rurais, associações, e governo locais que apoiaram a aplicação de pesquisa científica em iniciativas de conservação.
As valiosas experiências adquirida durante o “Projeto Médio Juruá” incluíram algumas iniciativas bem sucedidas de conservação baseadas em pesquisa científica de alta qualidade, como o caso do manejo de base comunitária do pirarucu (Arapaima) e a proteção de lagos e praias fluviais. Essas experiências mostraram a capacidade de trazer resultados expressivos tanto para conservação ambiental, quanto na melhoria da qualidade de vida dos moradores na região. Dessa forma, o Instituto Juruá nasceu em 2019, como uma extensão natural de toda essa história, para fortalecer as ações de conservação no Médio Juruá de forma colaborativa com base em pesquisa científica e conhecimento local.
Ação de soltura de filhotes de tartarugas de água doce do Projeto Médio Juruá. Foto: André Dib.
Os resultados dessa parceria entre ciência e movimento social são notáveis para o futuro da conservação na Amazônia. Em 11 anos, a população de pirarucu já aumentou 55 vezes em lagos protegidos, fruto do manejo participativo do pirarucu realizado na região desde 2010, que gera uma importante fonte de renda, melhorando a qualidade de vida nas comunidades pela valorização dos produtos sustentáveis da floresta. Além disso, os lagos e praias protegidos por comunidades proporcionaram um aumento populacional de tartarugas de água doce de 58 vezes e um aumento de 83 vezes em ninhos de aves. Esses ambientes monitorados pelas comunidades tornam-se grandes pontos de biodiversidade, beneficiando diversas outras espécies.
O Instituto Juruá também atua na área da educação, promovendo capacitação e treinamento em comunidades rurais. Cursos como o de elaboração de projetos, iniciação científica, fotografia e educomunicação são ofertados para empoderar as associações locais a tocarem seus projetos. O primeiro curso de contagem de pirarucu exclusivamente para mulheres foi realizado pelo Instituto Juruá na região, aumentando a participação feminina no manejo do pirarucu.
Dessa forma, com muita vontade de construir novas possibilidades de desenvolvimento e conservação para a Amazônia, ciência e mobilização popular caminham juntas com o Instituto Juruá para promover um futuro cheio de esperança.
Pesca de pirarucu, fruto do manejo participativo realizado na região desde 2010, que gera uma importante fonte de renda para as comunidades ribeirinhas. Foto: Carolina Freitas.
Ciência se faz com parceria
As ações do Instituto Juruá contam com diversos parceiros (conheça todos acessando aqui e aqui). Os parceiros institucionais são representados por todas as associações de base, representadas pela ASPROC, parceiros que atuam no território como a OPAN e Gosto da amazônia. Parceiros científicos são os financiadores, como algumas instituições que desenvolvem pesquisa também e universidades: SITAWI, National Geographic e Rolex estão apoiando investigação científica pelo programa Perpetual Planet, com duração de dois anos, Synchronicity Earth, Instituto Mamirauá, Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte e University of East Anglia.
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Reportagens:
Folha de São Paulo. Povos do Amazonas garantem renda ao preservar o pirarucu. (acesse aqui)
Estadão. Pirarucu se consolida como um dos pilares da bioeconomia amazônica. (acesse aqui)
Podcast:
Defensores da Terra, Estadão em parceria com Rolex. Escute a entrevista que o presidente do Instituto Juruá, João Campos-Silva. (acesse aqui)
Clara Machado é professora de ciências, divulgadora científica e diretora de comunicação do Instituto Juruá.