O uso de inteligência artificial pode tornar a priorização de áreas para combater o desmatamento na Amazônia mais eficaz
18 de outubro de 2022 | Tempo de leitura: 8 minutos
Por Guilherme Mataveli
Manter a floresta amazônica intacta é uma preocupação global, já que sua degradação pode acarretar alterações climáticas irreversíveis. Durante a COP26, em 2021, o Brasil assumiu publicamente alguns compromissos para combater as mudanças climáticas. Dentre estes destacam-se reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030 em 50% em relação aos níveis de 2005 e zerar o desmatamento ilegal até 2028. No entanto, a tendência recente de aumento nas taxas anuais de desmatamento da Amazônia Legal contrasta com essas metas. De acordo com o INPE, após uma redução histórica do desmatamento de 84% alcançada em 2012 em relação a 2004, as taxas anuais de desmatamento da Amazônia Legal voltaram a crescer e atingiram em 2021 o maior valor desde 2006 (13.038 km2). O caminho traçado pelo Brasil pode colocar em risco todos os esforços globais para um planeta sustentável, comprometer a conservação da biodiversidade tropical e o bem-estar dos povos amazônicos. Além disso, o fracasso em conter o desmatamento na Amazônia pode prejudicar a economia nacional, já que se tem discutido internacionalmente embargos à exportação de commodities brasileiras caso as taxas anuais de desmatamento continuem altas.
Área localizada no estado do Mato Grosso em que a floresta preservada contida em Áreas de Preservação Permanente é cercada por culturas agrícolas. Foto: Gabriel de Oliveira, University of South Alabama.
Ações bem-sucedidas para fiscalizar o cumprimento das leis contra o desmatamento ilegal na Amazônia são o passo inicial para reverter este cenário. Claramente, estas ações não estão produzindo o efeito desejado no período atual, pois, de acordo com o INPE, desde 2019 as taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal ultrapassam 10.000 km2. Nem mesmo a recente adoção do Plano Amazônia 2021/2022, que foca as ações de combate ao desmatamento ilegal em 11 municípios amazônicos, foi suficiente para diminuir o desmatamento. Soma-se a isto o fato de que os órgãos responsáveis por fiscalizar o desmatamento, como o Ibama e o ICMBio, têm sofrido com cortes de recursos, tanto de servidores como de orçamento. Desta forma, futuras ações de combate ao desmatamento devem maximizar o sucesso operacional ao se concentrarem na menor área geográfica possível que contribuem para a maior fração de desmatamento em relação à toda Amazônia Legal.
O artigo publicado recentemente na revista Conservation Letters por pesquisadores brasileiros e de outros países (Colômbia e França) propõe um novo método para priorizar áreas de combate ao desmatamento na Amazônia com base em imagens de satélite e inteligência artificial. Para estabelecer as áreas prioritárias, o método considera células de 25 km por 25 km distribuídas regularmente sobre toda a Amazônia. Então, com base no algoritmo Random Forest, é feita uma estimativa do desmatamento em cada célula para o ano seguinte e definida uma classe de prioridade para cada uma destas células. Portanto, este método prevê onde se localizam os hotspots de desmatamento no ano seguinte e considera como áreas de alta prioridade todas as células em que o valor do desmatamento previsto está acima do percentil 90, ou seja, o valor da estimativa de desmatamento na célula analisada é maior do que 90% das células analisadas.
Localização das áreas prioritárias definidas pela inteligência artificial em 2021, dos municípios priorizados pelo Plano Amazônia 2021/2022 e do incremento de desmatamento mapeado pelo PRODES em 2021. Elaboração: Guilherme Mataveli, INPE.
Ao comparar a localização das áreas de alta prioridade em 2021 com os polígonos de desmatamento delimitados pelo programa PRODES para este mesmo ano, o método proposto identificou mais de 66% do desmatamento nas áreas de alta prioridade, enquanto cobre 26% menos território que o previsto no Plano Amazônia 2021/2022. Este mesmo padrão foi encontrado em demais anos analisados. Ainda, as áreas de alta prioridade concentraram mais áreas classificadas como desmatadas pelo programa PRODES em ambas as terras públicas e privadas do que o plano Amazônia 2021/2022. Finalmente, uma importante contribuição da pesquisa é conseguir identificar novas fronteiras de desmatamento, como as que estão surgindo no estado de Roraima.
Priorizar adequadamente as áreas de combate ao desmatamento na Amazônia é o primeiro passo para reduzir as taxas de desmatamento e recolocar o Brasil no caminho para manter seus ativos ambientais, cumprir seus compromissos internacionais e proteger sua economia baseada em commodities. No entanto, uma série de ações complementares são necessárias para combater a desmatamento ilegal no longo prazo. Dentre elas, destacam-se promover a educação ambiental, punir quem infringe as leis de proteção ambiental e incentivar projetos focados em extrair valor econômico da floresta em pé. Como demonstrado por este exemplo, a ciência é uma ferramenta poderosa para o planejamento ambiental adequado.
Ciência se faz com parceria
O artigo apresentado neste texto foi desenvolvido na Divisão de Observação de Observação da Terra e Geoinformática (DiOTG) do INPE. Todos os membros da equipe multidisciplinar que elaborou o artigo (Guilherme Mataveli, Gabriel de Oliveira, Michel Chaves, Ricardo Dalagnol, Fabien Wagner, Alber Ipia, Celso Silva-Junior e Luiz Aragão) foram, em algum momento de sua carreira, filiados à DiOTG. Houve apoio financeiro da FAPESP e do CNPq para a elaboração desta pesquisa.
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Artigo científico:
Mataveli et al. 2022. Science‐based planning can support law enforcement actions to curb deforestation in the Brazilian Amazon. Conservation Letters. (acesse aqui)
Outros materiais:
Agência FAPESP. Luciana Constantino. Pesquisa usa inteligência artificial para apontar área prioritária de combate ao desmatamento na Amazônia. (acesse aqui)
EurakAlert! Por Heloisa Reinert. Researchers use AI to define priority areas for action to combat deforestation in the Amazon. (acesse aqui)
Pacote Github: método para priorizar focos de desmatamento. A method for prioritizing deforestation hotspots to support law enforcement actions in the Brazilian Amazon. (acesse aqui)
Guilherme Mataveli é doutor em geografia física pela USP, mestre em sensoriamento remoto pelo INPE e bacharel em geografia pela UNIFAL (MG). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado financiado pela FAPESP na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do INPE.
Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.