Saberes, fazeres e viveres amazônicos no baixo Rio Negro

05 de agosto de 2024 | Tempo de leitura: 7 minutos

Por Rayssa Bernardi Guinato e José Diego Gobbo Alves

Com uma área de mais de seis milhões de km² e abarcando oito países, a Amazônia é formada por uma união de territórios, modos de vida e vivências que convergem para formar um dos maiores biomas do mundo, com uma rica biodiversidade. Composta por um conjunto de Amazônias, no plural, as paisagens do bioma são tecidas por uma diversidade de ocupações que variam desde comunidades tradicionais (ribeirinhos, caboclos, povos indígenas, entre outros) até grandes metrópoles que conectam a região a diferentes partes do mundo.

Diante da pluralidade amazônica, entender como funcionam as diferentes dinâmicas existentes no território é fundamental para a conservação ambiental e para a manutenção do modo de vida das pessoas, principalmente em regiões chave para a contenção do desmatamento, prática que historicamente avança no bioma causando inúmeros prejuízos.

Apresentamos neste texto um pouco do contexto da região do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, localizado entre os estados do Amazonas e Roraima e formado por um conjunto de Unidades de Conservação que tem como finalidade a conservação da flora e da fauna, dos rios e igarapés e das populações tradicionais que ali residem, bem como suas práticas cotidianas e relações com o ambiente.

Comunidade Pagodão às margens do Rio Negro. Fonte: José Diego Gobbo Alves

O Mosaico do Baixo Rio Negro ocupa uma área de mais de oito milhões de hectares, localizado entre cidades importantes do contexto urbano regional e nacional, tais como Manaus, Novo Airão e Tefé. Sua localização estratégica na área central do estado do Amazonas, parcialmente inserido na Zona Franca de Manaus, bem como sua pluralidade de categorias de áreas protegidas, lhe conferem particularidades que demandam estudos interdisciplinares (sociais, econômicos e ambientais) que considerem as múltiplas facetas do viver na e da Amazônia.

Localização do Mosaico do Baixo Rio Negro, Brasil.

Apresentamos neste texto os principais resultados de um artigo científico que objetivou a sistematização de informações relacionadas a múltiplas dimensões que compõem o cotidiano das populações tradicionais no Mosaico do Baixo Rio Negro. Caracterizamos o perfil socioeconômico das populações residentes nas diferentes áreas protegidas da calha do Rio Negro, relacionando as atividades tradicionais desenvolvidas pelos moradores com a presença ou ausência de itens de infraestrutura referentes à educação, comunicação, saúde e lazer, além de avaliarmos as percepções de lideranças comunitárias sobre suas condições de vida.

O Rio Negro, um dos mais importantes da região, é mundialmente conhecido pelo famoso encontro das suas águas negras com as águas brancas do Rio Solimões. As comunidades tradicionais que vivem em suas margens sofrem influências diretas das variações no volume de água ao longo do ano, que dependem do regime das chuvas. Essa sazonalidade dos rios afeta a vida das populações em muitos aspectos, como o transporte, saneamento básico, educação, lazer, acesso a serviços de saúde e energia.

Amanhecer no Rio Negro. Fonte: José Diego Gobbo Alves 

As alterações dos rios definem também os planejamentos que as famílias fazem para todo o ano, pois as atividades produtivas seguem as “safras”, ou seja, a disponibilidade das frutas, os plantios agrícolas, os períodos de pesca, criação dos animais e a extração de madeira acompanham o fluxo das águas. Essas práticas garantem a base da alimentação das famílias, servindo também como importantes fontes de renda para os moradores. Em nosso trabalho observamos que 75% dos entrevistados relataram pescar e 57% indicaram produzir algum tipo de agricultura, principalmente plantação de mandioca para a produção de farinha e cultivos de frutas e verduras. Outras atividades como o extrativismo, criação de pequenos animais, participação em atividades de turismo e confecção de artesanatos com sementes, fibras e pedras também são desenvolvidas na região. 

Atividades desenvolvidas pelos moradores das comunidades do Mosaico do Baixo Rio Negro. Em cima: Família indo comprar produtos na cidade, pescador consertando malhadeira para a pesca, morador torrando farinha de mandioca. Em baixo: plantação de banana e de verduras em uma casa, moradora descascando castanha do Brasil, madeiras secando ao sol. Fonte: Rayssa Bernardi Guinato.

Embora a região tenha muitas riquezas naturais, observamos que escolas, aparelhos de comunicação, postos de saúde, serviços de energia e equipamentos de trabalho ainda são inexistentes em muitas comunidades. Geralmente, as comunidades que possuem maior acesso a esses serviços são as mais próximas da cidade de Manaus. Entretanto, quanto mais para dentro da floresta, mais difícil fica a existência desses serviços. A falta de infraestrutura causa muitos problemas no cotidiano das pessoas, dentre eles a existência de altas taxas de analfabetismo, dificuldades de acesso a medicamentos ou realização de exames de saúde, impossibilidade de comunicação e além da falta de serviços básicos de tratamento de esgoto e acesso à água potável nas residências.
Os resultados obtidos contribuem para subsidiar a elaboração de políticas públicas em múltiplas escalas, evidenciando a necessidade de considerar a diversidade territorial, econômica, cultural e ambiental das populações tradicionais presentes na Amazônia para garantir melhores condições de vida e subsídios para aprimorarem os seus saberes. Ademais, os resultados fomentam o debate acerca da importância de serem considerados múltiplos fatores nas análises dos modos de vida das populações tradicionais na Amazônia.
Afinal, as comunidades apresentam contextos diferentes do acesso a saúde, energia, educação, logística e atuando de diferentes maneiras para a conservação do bioma através de suas práticas produtivas diversificadas, o repasse geracional dos conhecimentos tradicionais e a manutenção de suas culturas.
Ciência se faz com parceria

Os resultados apresentados nesse texto foram obtidos a partir do Projeto “Populações tradicionais em áreas protegidas: dinâmicas socioambientais e gestão de Unidades de Conservação no Mosaico do Baixo Rio Negro, no Amazonas” e publicados no artigo Caracterização socioeconômica de comunidades tradicionais do Mosaico do Baixo Rio Negro”, na revista Terra Livre. O trabalho foi desenvolvido em parceria com mais 4 pesquisadores: Álvaro de Oliveira D’Antona, da Universidade Estadual de Campinas, Ana Claudeise Silva do Nascimento, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e as pesquisadoras do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Heloísa Corrêa Pereira e Dávila Suelen Souza Corrêa. O projeto teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Artigo na íntegra. (acesse aqui

Site do Projeto “Populações tradicionais em áreas protegidas: dinâmicas socioambientais e gestão de Unidades de Conservação no Mosaico do Baixo Rio Negro, no Amazonas”. (acesse aqui)

Atlas Digital do Mosaico do Baixo Rio Negro: D’antona, A.; Alves, J. D. G. (2023): Atlas Digital do Mosaico de Unidades de Conservação do Baixo Rio Negro. Figshare. Online resource. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.22179338. (acesse aqui)   

Página do Grupo de Pesquisa em Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. (acesse aqui)

Sobre os autores

Rayssa Bernardi Guinato, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) vinculada ao Grupo de Pesquisa em Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia. Bióloga e Mestra em Planejamento e Uso de Recursos Renováveis pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). 

Veja mais na Plataforma Lattes.

José Diego Gobbo Alves, geógrafo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Mestre em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e doutorando em Ambiente e Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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