Diversidade Socioagroambiental do campesinato do Baixo Tocantins- PA

Diversidade Socioagroambiental do campesinato do Baixo Tocantins- PA

12 de agosto de 2021 | Tempo de leitura: 8 minutos

Por Ana Julia Mourão Salheb do Amaral, Amália Gabriela Rocha Aguiar e Paulo Fernando da Silva Martins

Escrever, refletir e pesquisar sobre a Amazônia, em especial sobre o território do Baixo Tocantins, não é uma tarefa simples, pois nesse território há uma elevada complexidade de conexões e interações entre os diversos atores sociais e os diferentes ambientes naturais que evidenciam inúmeras formas de uso e manejo dos recursos. Toda essa complexidade e mudanças no território advém de seu processo histórico incentivado pelas políticas públicas, através de projetos agroindustriais, e de influências externas e internas. Essa complexidade inclui práticas distintas de uso dos recursos naturais: a primeira, mais antiga, vinculada aos saberes e modo de vida tradicional dos agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas; e a outra vinculada nas práticas da agricultura industrial baseada por lógicas externas de desenvolvimento.

          Nesse texto, procuramos trazer a diversidade socioagroambiental do campesinato do território do Baixo Tocantins no estado do Pará focando nas práticas tradicionais como forma de visibilizar e valorizar esses atores e suas formas de uso e práticas tradicionais e sustentáveis do meio (figura 1). Esses sujeitos locais apresentam-se mediante uma relação de sociedade – natureza – território que possibilita a expressão do modo de vida particular, do fortalecimento de identidade, da simbologia e da prática socioprodutiva dos mesmos. As interações com as florestas, os rios, os igarapés e os furos criam uma complexa rede de conexões que modifica e nutre a dinâmica de modo de vida desses sujeitos locais.

Figura 1. Diversidade socioagroambiental do campesinato do Baixo Tocantins
Fonte: os autores, pesquisas de campo.

          Na figura 2 pode-se observar o Território do Baixo Tocantins que possui 11 municípios: Abaetetuba, Acará, Limoeiro do Ajuru, Moju, Tailândia, Barcarena, Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Mocajuba e Oeiras do Pará, o que corresponde a 43,1% da área da mesorregião do nordeste paraense, totalizando aproximadamente 36 mil km² (veja o “Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Baixo Tocantins” aqui). Esse território, desde o período colonial, vem sendo um espaço de ocupação para a produção/extração, em detrimento da conservação/preservação ambiental (veja mais aqui). A região é bastante populosa, e possui extensas áreas alteradas incluindo as áreas de várzea que recentemente vem sofrendo um processo de intensificação produtiva devido à alta procura pelo fruto do açaí. Todos os produtos comercializados são transportados por via terrestre ou pelos rios que têm uma importância especial devido sua extensa malha hidrográfica, formada por muitos braços de rios e igarapés.

Figura 2. Localização do território do Baixo Tocantins (PA).
Fonte: Grupo de Estudos Diversidade Sociagroambiental na Amazônia (2018).

        No Baixo Tocantins a economia de mercado vem pressionando os sistemas de produção das famílias rurais para uma mudança tecnológica e inovativa a partir da introdução de novas culturas alimentares e florestais sem ao menos propor auxílio técnico e financeiro suficientes para a manutenção e custos de produção. Um exemplo é o da implantação do cultivo da palmeira de dendê para a extração de óleo de palma vegetal, incentivados pelo Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) a partir dos anos 2000. Esses elementos possibilitam uma nova (re) leitura do território induzindo ou visibilizando a pluriatividade da população local, sobretudo os ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e extrativistas.
          O território é atravessado pelo rio Tocantins, responsável por importante parte do estuário na parte oriental da Amazônia e que se junta ao rio Pará e ao rio Guamá formando a baía do Guajará. Nesse território, os habitantes vivem dinâmicas diferenciadas de modos de vida em dois ambientes distintos: o de terra firme onde se cultiva predominantemente a mandioca para a produção de farinha e o de várzea nas ilhas onde o açaí desponta como a principal produção com presença também de buritizais, entre outras espécies florestais e alimentícias conforme identificado na comunidade de Manoel Raimundo no município de Cametá em uma pesquisa de dissertação de mestrado (acesse aqui).
          Em outra pesquisa de dissertação (acesse aqui) foi possível evidenciar ritmos de vida impostos pelo ambiente, na qual criou uma dicotomia entre ambientes de várzea e de terra firme vinculados ao tempo de natureza e a dinâmica das populações locais sobretudo na microbacia do Aricurá, no município de Cametá, PA. Na figura 3 é possível observar o calendário das principais atividades produtivas nessa microbacia onde habitam duas comunidades, a de Aricurá situada em ambiente só de várzea e a comunidade de Ajó localizada em ambiente de terra firme e várzea. Nesses locais há uma diversidade produtiva e sazonalidade de atividades moldadas conforme o meio ambiente e a variação do período climático ao longo dos meses do ano. Assim é possível observar uma alternatividade econômica entre as diferentes produções, ou seja, quando uma atividade econômica apresenta declínio, outra se sobressai e dessa maneira elas se complementam.

Figura 3. Calendário de manejo e uso nas atividades produtivas. Fonte: Amaral (2018).

          Assim, o modo de viver do campesino na Amazônia advém do seu conhecimento do uso e manejo dos recursos naturais, resultado não só de um processo de adaptação socioeconômica da biodiversidade presente, mas também, de sua história cultural construída a partir de suas experiências passadas entre as gerações e da sua relação íntima com a natureza (conforme as pesquisas do grupo de pesquisa da UFPA- GEDAF, veja mais aqui). Com isso os graus de relação com a natureza no meio ambiente amazônico variam em função das influências das circunstâncias históricas, sociais e políticas e econômicas para então formar essa diversidade socioagroambiental do campesinato amazônico refletidos nos distintos modos de vida e práticas de produção em parte retratadas nesse texto nas comunidades de Manoel Raimundo, Aricurá e Ajó, localizadas no município de Cametá, estado do Pará.

Ciência se faz com parceria

        Os resultados apresentados neste texto são parte das pesquisas de Amália Gabriela Rocha Aguiar (2016) (veja link abaixo) e Ana Julia Mourão Salheb do Amaral (2018) (veja link abaixo) e orientadas pelo Prof. Dr. Paulo Martins (INEAF/ UFPA) e coorientada, respectivamente, pelos Professores  Dr. Aquiles Simões (NUMA/ UFPA) e Dra. Sônia Magalhães (INEAF/ UPFA). Ambas realizadas no âmbito do curso de mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável do Instituto Amazônico da Universidade Federal do Pará. Faz parte também das pesquisas do Grupo de Estudos Diversidade Sociagroambiental na Amazônia (GEDAF/ vinculado ao Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará), coordenado pelo Prof Dr. Aquiles Simões (NUMA- UFPA), que possibilitou também suporte técnico e financeiro. Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do governo federal através de uma bolsa de mestrado CNPq.

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável – Território da Cidadania Baixo Tocantins. (acesse aqui).

ALMEIDA, R. Amazônia, Pará e o mundo das águas do Baixo Tocantins. Estudos Avançados. 2010, v. 24, n. 68, p. 291-298. (acesse aqui).

SOUZA, Armando Lírio de. Desenvolvimento territorial rural e a dinâmica da agricultura familiar no Baixo Tocantins (PA). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Porto Alegre, 2011. (acesse aqui).

AGUIAR, A. G. R. Manejo de população de açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) em parcelas de produção de frutos em áreas de várzea. 2016. 93 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural, Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, Belém, 2016. (acesse aqui).

AMARAL, A. J. M. S. (2018). Várzea ou terra firme? A (re) produção do sistema família-estabelecimento na microbacia do Aricurá – Cametá – PA. 2018. 148 p. Dissertação (Mestrado em Agriculturas Amazônicas) – Universidade Federal do Pará, Embrapa Amazônia Oriental, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Belém. (acesse aqui). 

SIMÕES, A.; BENASSULY, M. (org.). Na várzea e na terra firme: transformações socioambientais e reinvenções camponesas. Belém: NUMA/UFPA, p. 368, 2017. (acesse aqui)

SIMÕES, A.; RODRIGUES, E. T.; ROCHA, G. M.; GRANCHAMP, L. (org.). Reinvenções territoriais: diversidade e aprendizagens sociais. 1. ed. Belém: NUMA/UFPA. p. 298, 2019.

Ana Julia Mourão Salheb do Amaral, é engenheira agrônoma (UFRA), mestre em agriculturas familiares e desenvolvimento sustentável (UFPA), doutoranda em desenvolvimento rural (UFRGS). É também pesquisadora no Grupo de Estudos Diversidade Socioagroambiental na Amazônia (GEDAF/ NUMA/ UFPA). Contato e-mail: anaagro4@gmail.com. Veja mais na plataforma lattes .

Amália Gabriela Rocha Aguiar é engenheira agrônoma (UFRA), mestre em agriculturas familiares e desenvolvimento sustentável (UFPA), doutoranda em desenvolvimento rural (UFRGS). É também pesquisadora no Grupo de Estudos Diversidade Socioagroambiental na Amazônia (GEDAF/ NUMA/ UFPA). Contato e-mail: agr.aguiar@gmail.com. Veja mais na plataforma lattes.

Paulo Fernando da Silva Martins é Agrônomo (UFRA), Doutor em Agronomia (Esalq/USP), Professor do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF/UFPA). É também pesquisador no Grupo de Estudos Diversidade Socioagroambiental na Amazônia (GEDAF/ NUMA/ UFPA). Contato e-mail: pfsm@ufpa.br. Veja mais na plataforma lattes.