A Amazônia das grandes cidades: urbanização recente de uma região em transformação
15 de maio de 2022 | Tempo de leitura: 9 minutos
Por Tiago Veloso dos Santos
Rios, florestas, unidades de conservação, reservas extrativistas, terras indígenas, grandes projetos econômicos e logísticos, expansão da fronteira agropecuária, serviços ambientais potenciais… Esses e outros elementos têm condicionado os aspectos mais observáveis e conhecidos da Amazônia brasileira. O olhar sobre a Amazônia a partir desses elementos, tem caracterizado um tipo de dicotomia, pois por um lado há o relativo reconhecimento da importância de seu bioma no contexto de aceleração da crise climática e ambiental. Por outro lado, o avanço de atividades econômicas em larga escala, as quais mantêm uma relação ambígua entre o aprimoramento dos sistemas técnicos e a continuidade de práticas predatórias.
Entretanto, se de fato a região é identificada historicamente por suas características biogeográficas e morfoclimáticas, também é cada vez mais perceptível a transformação dessa realidade. Tal mudança é empiricamente observável por uma significativa alteração de sua paisagem natural de floresta tropical, que deixou de ser a única referência visual. Essa alteração, proveniente do processo de produção do espaço regional, coloca as cidades como referência territorial no início do século XXI.
Levando-se em consideração os dados oficiais, conforme o censo de 2010 (IBGE, 2010), 72% da população na região amazônica reside em núcleos urbanos. Embora eles possam ser avaliados segundo graus diversos de carência e precariedade quanto à existência de serviços básicos, há de se considerar esses núcleos urbanos como constituintes de um modelo de urbanização voltado para a região.
Além disso, a urbanização não pode ser mensurada apenas pelo espraiamento da mancha urbana ou mesmo pelo surgimento de novas cidades, pois deve também ser analisada a partir da veiculação dos seus valores pela sociedade, conforme argumentou o geógrafo Milton Santos. Nesse caso, desde os anos 1980, quando a taxa de urbanização na região ultrapassava 50%, a geógrafa Bertha Becker projetava a imagem da Amazônia enquanto uma “floresta urbanizada”.
A formação de uma extensa rede de cidades de diferentes perfis, tamanhos e hierarquias é uma tendência que acompanha processos que se vêm apresentando no Brasil como um todo.
Um componente comum neste processo de urbanização do território nacional é a formação de grandes cidades, as metrópoles, que embora apareçam como fenômeno relativamente recente, reafirmam problemas estruturais antigos da urbanização brasileira.
É também o que ocorre na Amazônia brasileira, posto que parcelas significativas dessa região acompanharam as tendências de urbanização que se verificam em território nacional, e mais recentemente apresentam a formação de metrópoles em nível regional. A resultante é a constituição de um conjunto de aglomerados metropolitanos que se destacam por redefinir o peso do fenômeno urbano na configuração territorial da região. Nos referimos, nesse caso, às metrópoles de Belém (PA), Manaus (AM) e São Luís (MA), que são produto, condição e meio desse movimento no interior da região.
Amazônia brasileira: Rede de cidades (2010). Imagem: Leonardo Alves e Tiago Veloso.
Belém, Manaus e São Luís e as diferenças metropolitanas:
Na porção ocidental da região, Manaus é a referência metropolitana. A aglomeração representa cerca de 60% do contingente demográfico do Amazonas, o que repercute em um enorme peso relativo para o Estado e demonstra forte tendência à concentração demográfica, econômica e infraestrutural na metrópole.
A principal explicação para esse fenômeno é a existência de um Pólo Industrial (Pólo Industrial de Manaus – PIM) associado a uma Zona de Livre Comércio (Zona Franca de Manaus – ZFM) que atrai fluxos econômicos e populacionais relativos ao mercado de trabalho. Conforme descreveu José Aldemir de Oliveira:
“Se a abertura de estradas provocou pouco impacto na cidade de Manaus, porque a construção foi um processo lento e as dificuldades de manutenção tornaram essas vias intransitáveis nos anos 1970 e 1980, a criação da Zona Franca de Manaus e do Distrito Industrial, em 1967, tiveram efetivamente impacto na paisagem urbana”.
Um dos impactos indiretos da existência do PIM é a configuração de uma lógica ainda marcada pelo ritmo da natureza, com potencialidade em aliar a existência de recursos naturais (águas, florestas, minerais) com uma atividade econômica de grande impacto, sem causar, o perfil de devastação característico de grandes atividades econômicas inseridas na região. Um conhecido estudo do Projeto Inteligência Socioambiental na Amazônia (PIATAM) em parceria com universidades da região detectou que a existência do PIM contribuiu para a redução das pressões sobre a exploração dos recursos da floresta, dado que o polo industrial não utiliza matéria-prima vinculada ao meio natural circundante, pois se trata de um modelo industrial importado. A Manaus industrial acabou por se tornar em válvula de escape da pressão por recursos naturais da região, colaborando para a preservação maior dessa porção do território, ainda que não se possa esquecer que as pressões demográficas resultantes da instalação do polo em Manaus resultaram em problemas urbanísticos.
Diferente da atração polarizadora exercida por Manaus, Belém, a metrópole regional da Amazônia Centro-oriental, vem paulatinamente perdendo a característica de principal aglomeração da região, embora isso não se reflita na perda da condição de metrópole. Em termos demográficos, Belém representa cerca de 30% da população do Estado do Pará. Essa perda relativa se deve, entre outros fatores, à existência no território paraense de importantes cidades médias como Santarém (oeste paraense) e Marabá (sudeste paraense), e pequenas cidades que têm sua vida urbana dinamizada por projetos mínero-energéticos extrativistas.
Um segundo elemento é que Belém não sofreu o estímulo de crescimento a partir do setor industrial. Seu perfil mantém destaque para as atividades comerciais e de serviços com as indústrias instaladas tendo peso pequeno se comparado a Manaus. A economia metropolitana de Belém, por se especializar no setor de serviços, acabou tornando-se base territorial de cadeias de suprimentos de consumo como as redes de supermercado associadas a lojas de departamento.
Nesse sentido, os investimentos econômicos na área de influência da metrópole belenense ocorreram de forma menos concentrada. A ponto de que os municípios que fazem parte do espaço metropolitano de Belém, como Ananindeua, Marituba, Benevides, crescem de forma consistente mais que o município núcleo desde os anos 1990.
Nossa terceira metrópole é São Luís, que representa cerca de 20% da população do estado do Maranhão. A porção oriental da Amazônia é um espaço impactado por grandes projetos de extração mineral como os promovidos pela antiga Companhia Vale do Rio Doce (hoje conhecida como VALE), o ALUMAR (Alumínio do Maranhão S. A.) e implantação de infraestrutura logística (portos, ferrovias), que refletiram nas expectativas de desenvolvimento econômico do Maranhão, assim como de São Luís, como suposta consequência da implantação dos projetos.
Dentre as três metrópoles regionais, São Luís é a que apresenta a maior taxa de crescimento demográfico desde os anos 90, chegando à condição de cidade com um milhão de habitantes nesse período. Entretanto, assim como em outras áreas que também receberam grandes projetos, as repercussões regionais, embora com incremento da economia local, trouxeram mudanças negativas na produção do espaço. Neste contexto, verifica-se também o processo de segregação urbana, que tem como resultado a produção de espaços periféricos no interior da metrópole, configurando uma metropolização periférica.
Se Manaus acabou especializando-se em um polo industrial de montagem e Belém em um setor de serviços, pode-se dizer que São Luís está associada à produção de grandes objetos logísticos como portos, terminais e ferrovias que repercutem na região e na metrópole de forma simbiótica.
Porto de Belém com a verticalização ao fundo, Imagem área do Polo Industrial de Manaus e terminal portuário em São Luís (esquerda para a direita). Fotos: Tiago Veloso.
Trata-se, inegavelmente, de três realidades distintas que parecem corroborar para a compreensão das particularidades no espaço amazônico. Se a homogeneidade regional amazônica já vinha sendo contestada do ponto de vista de sua biodiversidade, os exemplos aqui tratados reforçam a necessidade de estender o atributo da diversidade verificada na Amazônia ao seu processo de urbanização e, dentro deste, na sua expressão metropolitana.
Ciência se faz com parceria
Os resultados apresentados neste texto são da pesquisa realizada por Tiago Veloso dos Santos durante o curso de doutorado no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioambiental, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. A orientação foi de Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior. Esta pesquisa contou com o apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará por meio de liberação parcial e cooperação acadêmica com o Núcleo de Pesquisa Urbana e Regional da Universidade do Estado do Amazonas.
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Santos, T. V. (2015). Metrópole e região na Amazônia: trajetórias do planejamento e da gestão metropolitana em Belém, Manaus e São Luís. Tese – Nucleus of High Amazon Studies, Universidade Federal do Pará, Belém. (acesse aqui)
Santos, T. V. (2017). Metropolização e diferenciação regional: estruturas intra-urbanas e dinâmicas metropolitanas em Belém e Manaus. Cadernos Metrópole (PUC/SP). (acesse aqui)
Santos, T. V., Sousa, I. S. (2021). Uma Amazônia metropolitana: urbanização regional e metropolização do espaço em Belém, Manaus e São Luís. Belém: Amazônica Bookshelf. (acesse aqui)
Sousa, I. S., Santos, T. V., Lima, S. P. M. (2018). Os grandes objetos urbanos: condição, meio e produto da metropolização regional na Amazônia brasileira. Geographic Acta, v. 12, p. 108. (acesse aqui)
Veloso, T., Trindade Júnior, S. C. (2014). Dinâmicas sub-regionais e expressões metropolitanas na Amazônia brasileira: olhares em perspectiva. NAEA: Novos Cadernos, v. 17, p. 177-202. (acesse aqui)
Tiago Veloso dos Santos é Geógrafo, Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Pará e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Vice-Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ordenamento Territorial e Urbanodiversidade na Amazônia (GEOURBAM), membro associado do Núcleo de Pesquisa Urbana e Regional (NPUR/UEA) e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP).
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