A conexão dos peixes: taxonomia, ecologia, migração e conservação dos peixes amazônicos
24 de dezembro de 2020 | Tempo de leitura: 6 minutos
Por Junior Chuctaya
A bacia amazônica é conhecida por abrigar uma das maiores diversidades de peixes do mundo, mas apesar do incremento no número de estudos na bacia, existem vários vazios de informação sobre a biologia, ecologia, migração, conservação e taxonomia de muitas espécies de peixes. A maioria das pessoas tem a imagem da bacia amazônica como uma vasta floresta, mas esquecemos que ela está conformada por uma grande variedade de habitats (veja mais aqui), desde rios e lagoas altas andinas (acima dos 4000 metros nos Andes), passando por uma região de encosta com quedas e cânions, uma região de planície com rios de águas brancas, pretas e claras (veja mais aqui), e finalmente uma região estuarina, que para muitas espécies é a principal zona de alimentação e crescimento (veja mais aqui). Para conhecer o estado de conservação dos peixes ao longo da bacia amazônica, realizamos diversas pesquisas com o objetivo de ajudar a resolver estes vazios de informação. Uma das primeiras perguntas para ser resolvida foi saber qual é o estado do risco de ameaça dos peixes que se distribuem na região andina. Para isto avaliamos 666 espécies endêmicas desta região, seguindo os critérios de ameaça da IUCN. Encontramos que 74 espécies apresentavam algum nível de ameaça, nas classes “perigo crítico” (13 espécies), em perigo (28 espécies) e vulnerável (33 espécies). Também buscamos compreender quais são as principais ameaças que estão colocando em risco os peixes andinos (veja a referência 1 no final desta página).
Coleta de peixes no rio Curaray, bacia do rio Napo (Equador), e indivíduos de Panaque schaeferi. Foto: Junior Chuctaya (todos os diretos reservados).
Estes resultados permitiram propor áreas prioritárias de conservação para os peixes endêmicos dos Andes, sendo o principal objetivo identificar lacunas na cobertura das áreas protegidas existentes e identificar áreas prioritárias de conservação que cubram adequadamente as espécies ameaçadas e vulneráveis às mudanças climáticas (2).
Muitos dos impactos nos Andes estão produzindo fragmentação da bacia (perda de conectividade do rio por causa de construção de usinas, dragagem do rio, mineração, etc.), impedindo que vários peixes que dependem desta conectividade não possam cumprir seu ciclo de vida. Para demostrar como a conectividade cumpre uma função importante no ciclo de vida dos peixes, realizamos coletas intensivas de larvas e indivíduos juvenis e adultos de várias espécies de bagres gigantes, que realizam extensas migrações desde o estuário até os Andes. Concluímos que a principal área de desova se encontra nas cabeceiras aproximadamente a 3500 km do estuário do rio Amazonas, onde os bagres percorrem cerca de 8000 km em seu percurso desde sua área de desova nos Andes, a área de alimentação e crescimento no estuário, e seu retorno para desova nos Andes (3) (veja este vídeo). Adicionalmente coletas nas encostas dos Andes permitiram registrar informações do comprimento dos peixes e relacioná-lo com seus pesos (4).
Apesar dos muitos estudos já realizados na bacia amazônica, em cada coleta de campo e em visitas a coleções científicas ictiológicas, há sempre a possibilidade de descobrir alguma possível espécie nova. Ao fazer nossas expedições e visitas de coleções, e depois de um rigoroso estudo taxonômico utilizando todas ferramentas como analises morfológico, morfométrico e molecular, conseguimos descrever novas espécies, como as espécies Bryconops sapezal Wingert, Chuctaya, Malabarba, 2018 da bacia do rio Tapajós (5), e Odontostilbe pacaasnovos Chuctaya, Ohara, Malabarba, 2020, descrita da bacia do rio Madeira (6), assim como outras espécies que foram coletadas em expedições no Peru (rios Marañón, Huallaga, Pachitea, Ucayali e Madre de Dios), Equador (rio Napo) e Brasil (rios Madeira, Negro e Tapajós) que atualmente estamos finalizando sua descrição, para sua publicação formal.
Muitas destas coletas permitiram registrar espécies que até o momento pensava-se que tinham distribuição restrita a certas regiões e habitats, como a espécie Micromyzon akamai Friel e Lundberg, 1996. Este é um peixe cego e muito pequeno (menos de 14 mm) que havia sido coletado previamente apenas nos fundos de rios profundos dos principais rios da bacia amazônica perto do estuário. Com coletas no rio Curaray (Equador), ampliou-se sua distribuição para as cabeceiras da bacia amazônica. Observamos, assim, um vazio de informações desta espécie para a parte média da bacia. Apesar de se assumir que muitas outras espécies que habitam os canais profundos apresentam uma distribuição restrita à região do estuário, isto ocorre principalmente devido à falta de estudos dos canais profundos dos rios nas cabeceiras da bacia amazônica (7).
Novas espécies de peixes descritas: a) Bryconops sapezal e b) Odontostilbe pacaasnovos. Foto: Wingert et al. (2018) e Chuctaya et al. (2020).
(a) Locais investigados pelos autores e outros a partir de dados publicados. (b – e) Locais de bagres gigantes maduros por espécie. Figura de Barthem et al. (2017).
Estes estudos demonstram que os peixes dependem da manutenção da conectividade ao longo dos rios amazônicos. Com os impactos antrópicos cobrindo áreas cada vez maiores na bacia, o processo de extinção de muitas espécies de peixes se acelera. Assim, nós, taxonomistas, estamos correndo contra o tempo para descrever toda esta diversidade, antes que estas espécies sejam extintas sem sequer ser conhecidas.
Ciência se faz com parceria
O texto apresentado é resultado da pesquisa que foi realizada por Junior Chuctaya em colaboração com vários pesquisadores de Brasil, Peru, Equador e Estados Unidos. Trabalhos que foram realizados desde quando Junior cursava o mestrado. Atualmente ele realiza seu doutorado neste tema no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGBAN/UFRGS).
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
1. Jiménez‐Segura, L. F., Ortega, H., Chuctaya, J., Jiménez Prado, P., Carvajal‐Vallejos, F. M., Rivadeneira, J. F., … Tognelli, M. F. (2016). Estado de conservación y distribución de los peces de agua dulce de los Andes Tropicales. In M. F. Tognelli, C. A. Lasso, C. A. Bota‐Sierra, L. F. Jiménez‐Segura, & N. A. Cox (Eds.), Estado de conservación y distribución de la biodiversidad de agua dulce en los Andes tropicales. Gland, Suiza, Cambridge, UK y Arlington, USA: UICN, pp. 36– 69. (acesse aqui)
2. Tognelli, M. F., Anderson, E. P., Jiménez‐Segura, L. F., Chuctaya, J., Chocano, L., Maldonado‐Ocampo, J. A., … & Ortega, H. (2019). Assessing conservation priorities of endemic freshwater fishes in the Tropical Andes region. Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, 29(7): 1123-1132. (acesse aqui)
3. Barthem, R. B., Goulding, M., Leite, R. G., Cañas, C., Forsberg, B., Venticinque, E., … Chuctaya, J. & Mercado, A. (2017). Goliath catfish spawning in the far western Amazon confirmed by the distribution of mature adults, drifting larvae and migrating juveniles. Scientific reports, 7: 41784. (acesse aqui)
4. Chuctaya, J., Capitani, L., Faustino, D., & Castro, E. (2018). Length–Weight relationships of 23 fish species from floodplain ecosystems of the Andean Amazon piedmont, Peru. Journal of applied ichthyology, 34(1), 172-176. (acesse aqui)
5. Wingert, J. M., Chuctaya, J., & Malabarba, L. R. (2018). A new species of Bryconops (Characiformes: Iguanodectidae) from the Rio Tapajós basin, Brazil. Zootaxa, 4418(4): 379-387. (acesse aqui)
6. Chuctaya, J., Ohara, W. M., & Malabarba, L. R. (2020). A new species of Odontostilbe cope (Characiformes: Cheirodontinae) from rio Madeira basin diagnosed based on morphological and molecular data. Journal of Fish Biology, 97(6): 1701-1712. (acesse aqui)
7. Chuctaya, J., Encalada, A. C., Barragán, K. S., Torres, M. L., Rojas, K. E., Ochoa‐Herrera, V., & Carvalho, T. P. (2020). New Ecuadorian records of the eyeless banjo catfish Micromyzon akamai (Siluriformes: Aspredinidae) expand the species range and reveal intraspecific morphological variation. Journal of Fish Biology. (acesse aqui)
Junior Chuctaya é biólogo pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM/Peru), mestre em Biologia Animal na UFRGS e estudante do doutorado deste mesmo programa de pós-graduação na UFRGS. Pesquisador associado do departamento de ictiologia do Museu de História Natural da UNMSM (Lima, Peru).