Diversidade em povos amazônicos: a visão da genética

Diversidade em povos amazônicos: a visão da genética

17 de junho de 2021 | Tempo de leitura: 5 minutos

Por Rafael Bisso-Machado

Dando continuidade à pesquisa sobre povos nativos americanos apresentada aqui no Blog do Conexões Amazônicas, no texto “Tupi or not Tupi: migrações pré-históricas e atuais na América do Sul”, hoje veremos como essas migrações moldaram a variabilidade genética desses povos.

          Os nativos americanos (ou ameríndios) têm sido objeto de um grande número de estudos de genética populacional devido a algumas características particulares: há grupos que até recentemente tinham uma forma de vida de caçadores-coletores e não possuíam língua escrita e, consequentemente, sem um registro escrito de sua história. Os estudos biológicos podem, portanto, ser usados para investigar o passado destes povos.

          Os primeiros estudos genéticos com nativos americanos examinaram, por meio de amostras de sangue, a variabilidade de grupos sanguíneos e proteínas. O advento da biologia molecular moderna, que permite a análise direta e detalhada do DNA, abriu novas possibilidades para investigar essas populações.

Arte ameríndia (indígena) Sul Americana com diferentes padrões em cerâmica e cestaria. Imagem: Arquivo Conexões Amazônicas.

         O estudo apresentado aqui fez uso do DNA mitocondrial (ou seja, de herança materna) e do cromossomo Y (de herança paterna). Veja o texto “Vestígios do passado: a história dos nativos americanos amazônicos revelada através da genética” para entender as características deste método e a importância de usar DNA mitocondrial e do cromossomo Y nesses estudos.

          Analisamos a variabilidade genética dos povos nativos americanos amazônicos, ou seja, a presença de diferenças genéticas. Variantes do DNA humano podem ser classificadas em patogênicas (que causam doenças) e não patogênicas (que não causam doenças). As variantes mais comuns não causam doenças. O DNA está constantemente sofrendo dano e sendo reparado. A maioria dos danos é reparada com eficiência, mas falhas no reparo desses danos são as principais causas de variação genética. Além disso, indivíduos migrantes de outras populações trazem diferentes variantes genéticas para a população dos locais onde chegam, alterando assim a diversidade genética dessa população. Essas variações no DNA são úteis como marcadores, ou seja, elas podem ser usadas para identificar uma pessoa. São importantes em análises de ancestralidade, forenses e estudos sobre as origens e as relações entre as populações. 

          Existem quatro linhagens de DNA mitocondrial nativas da América do Sul. É possível visualizar a distribuição espacial destas linhagens por meio da análise de DNA de diversos indivíduos e, posteriormente,  pela classificação de suas linhagens. Indivíduos que pertencem a uma mesma linhagem possuem as mesmas variantes no DNA. Veja no mapa abaixo o padrão espacial das quatro linhagens de DNA mitocondrial nativas da América do Sul.

Mapa de distribuição de frequências de linhagens do DNA mitocondrial mostrando o padrão geográfico das quatro linhagens de DNA mitocondrial em nativos sul-americanos. Cada letra (A, B, C, D) corresponde a uma linhagem. Os pontos indicam as localizações das populações estudadas. As cores representam as frequências de cada linhagem: quanto mais azul, menor a frequência, quanto mais vermelho, maior a frequência. Figura de Bisso-Machado et al. 2012.

          Comparamos a presença de linhagens não-indígenas em populações do Sul do Brasil e em populações amazônicas. Nosso estudo mostra que há maior presença de linhagens não-indígenas nas populações do Sul do Brasil do que nas populações da região amazônica, provavelmente devido à maior miscigenação com não-indígenas nas populações do Sul do que nas amazônicas.

          A presença de DNA mitocondrial de origem não-indígena foi rara, em contraste com os dados do cromossomo Y. Isso é um reflexo da miscigenação desigual, comum durante os primeiros séculos da chegada dos europeus no continente americano. Essa miscigenação envolveu principalmente homens europeus e mulheres indígenas e africanas.

A principal consequência genética desse contato histórico foi a formação das atuais populações latino-americanas, caracterizadas por ter a maioria dos cromossomos Y de origem europeia e DNA mitocondrial de origem indígena ou africana. Ou seja, são populações com maior predomínio de herança paterna europeia e herança materna indígena e/ou africana.

          De acordo com nosso estudo, é notável que a maior parte da variabilidade do DNA mitocondrial dos nativos americanos é intrapopulacional. Isso significa que indivíduos que fazem parte de uma mesma população têm mais diversidade genética entre si do que em comparação com indivíduos de outras populações. Essa diversidade genética foi influenciada pela geografia e pela língua de cada população. Mas alguns fatores adicionais também podem ter influenciado essa diversidade: padrões distintos de migração masculina e feminina, bem como características culturais e outros fatores que seguem sendo estudados.

          Nosso estudo salienta que a variabilidade genética das populações humanas amazônicas é alterada por diferentes fatores e que, inclusive, é influenciada de forma diferente em suas linhagens maternas e paternas.

Ciência se faz com parceria

         O texto apresentado é resultado de pesquisas que vêm sendo realizadas por Rafael Bisso Machado em colaboração com pesquisadores do Brasil, Argentina, Espanha, EUA e Peru. Estudos realizados desde quando Rafael realizou seu mestrado. Cabe salientar o nome dos pesquisadores que desempenharam papel direto nas pesquisas salientadas acima no papel de orientadores(as) e/ou supervisores(as) do autor deste texto: Maria Cátira Bortolini, Tábita Hünemeier, Nelson Jurandi Rosa Fagundes. Menção especial ao Professor Francisco Mauro Salzano (in memoriam) que foi uma inspiração para estudar a evolução das populações nativas americanas. Estas pesquisas contaram com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!

Bisso-Machado, R. (2021) Tupi or not Tupi: migrações pré-históricas e atuais na América do Sul. Conexões Amazônicas, 18 de mar. de 2021. (acesse aqui)

Bisso-Machado, R. (2021) Vestígios do passado: a história dos nativos americanos amazônicos revelada através da genética. Conexões Amazônicas, 14 de jan. de 2021. (acesse aqui)

Bisso-Machado, R., Bortolini, M. C., Salzano, F. M. (2012) Uniparental genetic markers in South Amerindians. Genetics and Molecular Biology, 35, 365-87. (acesse aqui)

Rafael Bisso-Machado é biólogo (UFRGS), mestre e doutor em Genética e Biologia Molecular (UFRGS). Fez pós-doutorado no Departamento de Genética da UFRGS e foi professor adjunto na UdelaR (Uruguay). Atualmente é pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGBM-UFRGS).

Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.