Mamíferos potenciais para investigar conexões históricas entre a Amazônia e a Mata Atlântica

28 de janeiro de 2021 | Tempo de leitura: 8 minutos

Por Arielli Fabrício Machado

         As florestas da Amazônia e da Mata Atlântica estão atualmente separadas por uma ampla área de ambientes secos ou sazonalmente secos conhecida como diagonal-seca. Porém, no interior da diagonal seca existe um mosaico de florestas (como nas serras e matas ciliares ao longo dos rios) que são consideradas pontes históricas entre as florestas amazônicas e atlânticas.

          Muitos dados fósseis e climáticos, até dados de distribuição e genética das espécies, revelam que essas florestas foram conectadas no passado por pelo menos três rotas de conexão. Um dos primeiros a descrever essas rotas foi Francis Por, em 1992, no livro Sooretama (palavra que significa “refúgio dos animais da floresta” em Tupi-Guarani).

Florestas tropicais úmidas na América do Sul destacando a Amazônia e a Mata Atlântica em verde e suas rotas de conexão: 1) rota do Nordeste, 2) rota Central e 3) rota do Sudeste – Noroeste. Modificado de Machado et al. 2020.

          Atualmente, de acordo com uma revisão publicada por Ledo & Colli (2017), se sabe que pelo menos cerca de 50 espécies animais revelam essas conexões entre Amazônia e Mata Atlântica. No entanto, a disponibilidade atual de dados, como de distribuição geográfica e genéticos para diversas espécies, incluindo diferentes grupos taxonômicos, certamente permite avaliar uma totalidade muito maior de espécies que podem revelar essas conexões.

          Avaliar as conexões entre a Amazônia e a Mata Atlântica permite a compreensão não apenas das mudanças das florestas ao longo do tempo, como também na compreensão da complexidade atual das florestas, além de permitir projeções para mudanças futuras, sendo uma importante ferramenta para a conservação e manutenção da biodiversidade das florestas.

          Dentro deste contexto, realizamos um estudo que compilou dados de espécies de mamíferos potenciais para investigar as conexões históricas entre a Amazônia e a Mata Atlântica para servir de base para estudos futuros. Compilamos dados de distribuição geográfica da base de dados da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) que disponibiliza diversos dados para espécies do mundo todo. Também compilamos todos os dados genéticos disponíveis para essas espécies na base do Genbank, um dos maiores bancos de dados públicos de sequências genéticas.

Mamíferos que revelam conexões entre a Amazônia e a Mata Atlântica, incluindo espécies ameaçadas de extinção. A) Pecari tajacu, catetu; B) Bradypus variegatus, preguiça-gigante; C) Alouatta caraya, bugio-preto; D) Panthera onca, onça-pintada; E) Leopardus tigrinus, gato-do-mato; F) Tapirus terrestres, anta; G) Tamandua tetradactyla, tamanduá-mirim. Crédito das imagens: A) Gabriel P. Ibáñez, B) Atlas of Living Australia, C) Juan C. Munoz, D) Erica W., E) Escola Educação, F) Charles J. Sharp, G) Sinara Conessa.

          Nosso estudo revelou inúmeras espécies de mamíferos com alta disponibilidade de dados genéticos (cerca de 180 mil sequências genéticas), destacando o seu potencial para estudos filogeográficos sobre as conexões entre as florestas da Amazônia e da Mata Atlântica. Nesse estudo disponibilizamos uma lista dos dados compilados e link de acesso para a base de dados genéticos filtrados para cada espécie, facilitando e impulsionando estudos futuros sobre essas conexões com espécies de mamíferos.

         Os grupos dos tatus e dos morcegos apresentaram maior disponibilidade de dados por serem grupos de interesse para a saúde pública. Ainda assim, todos os grupos de mamíferos mostraram uma alta disponibilidade de dados genéticos e consequentemente um alto potencial para estudos com foco para essas conexões. Esse resultado revela a extrema importância da disponibilização dos dados científicos para o desenvolvimento da ciência, para além das áreas foco dos estudos que geraram os dados.

Disponibilidade de dados genéticos para grupos de mamíferos da Amazônia e da Mata Atlântica. Fonte: Machado et al. 2020.

          Neste estudo, também avaliamos os padrões de distribuição das espécies testando as rotas de conexões sugeridas por estudos anteriores. Encontramos um padrão diferente do proposto anteriormente (detalharemos esses resultados em uma próxima divulgação científica aqui no site do Conexões Amazônicas). Os resultados desse estudo mostram o potencial dos mamíferos para investigar as conexões entre a Amazônia e a Mata Atlântica e traz novos conhecimentos sobre essas conexões.

          Destacamos que, assim como os mamíferos, diversas espécies de outros grupos biológicos, tanto animais como vegetais, podem desvendar essas conexões através de dados já disponíveis trazendo novas informações sobre as mudanças das florestas ao longo do tempo. Nosso estudo tem o potencial de servir como base para diversos outros estudos cruciais para a compreensão das mudanças no ambiente e sua influência na biodiversidade.

 Ciência se faz com parceria

          Essa pesquisa fez parte da tese de Arielli F. Machado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação do professor Leandro Duarte, e colaborações dos(as) pesquisadores(as): Maria João R. Pereira da UFRGS, Cleuton L. Miranda do Museu Paraense Emílio Goeldi/Universidade Federal do Pará e Camila D. Ritter da Universidade de Duisburg-Essen (Alemanha). Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do governo federal através do CNPq.

Quer saber mais? 

Laboratório de Evolução Sistemática e Ecologia de Aves e Mamíferos – BiMa-Lab (acesse aqui)

Batalha-Filho, H., Fjeldså, J., Fabre, P. H., Miyaki, C. Y. (2013). Connections between the Atlantic and the Amazonian forest avifaunas represent distinct historical events. Journal of Ornithology, 154(1): 41-50. (acesse aqui)

Costa, L. P. (2003). The historical bridge between the Amazonia and the Atlantic Forest of Brazil: a study of molecular phylogeography with small mammals. Journal of Biogeography, 30: 71-86. (acesse aqui)

Ledo, R. M. D. &, Colli, G. R. (2017). The historical connections between the Amazonia and the Atlantic Forest revisited. Journal of Biogeography, 44(11): 2551-2563. (acesse aqui)

Machado, A. F., Ritter, C. D., Miranda, C. L., Pereira, M. R., Duarte, L. (2020). Potential mammalian species for investigating the past connections between Amazonia and the Atlantic Forest. (acesse aqui)

Arielli Fabrício Machado é bióloga (UFSM), mestre em Ecologia (INPA) e doutora em Ecologia (UFRGS). Veja mais na Plataforma LattesResearchGate e Google Scholar

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