Acesso à educação em áreas rurais na Amazônia
17 de julho de 2023 | Tempo de leitura: 7 minutos
Por Heloísa Corrêa Pereira
Transporte escolar utilizado para o deslocamento de alunos. Foto: Luiza Vieira.
Na Amazônia a aplicação das políticas para acesso à educação contrasta com a realidade das populações que habitam essas áreas. Fenômenos naturais, como a cheia e a seca de rios, e as grandes distâncias a serem percorridas comprometem a logística de transporte entre as comunidades ribeirinhas, afetando a rotina de estudantes e profissionais da educação. Assim, é necessário que os investimentos para acesso à educação nessa região do Brasil considerem as dinâmicas ambientais, organizacionais e de vida dessas populações.
Nosso estudo aborda o contexto educacional em comunidades ribeirinhas da Amazônia, destaca como as políticas para acesso à educação chegam a essas áreas, e o desafios enfrentados para adequação dessas políticas à realidade da população no meio rural do estado do Amazonas. Além desses aspectos, abordamos outras variáveis neste estudo e, em breve, publicaremos os resultados neste mesmo formato, via Rede Conexões Amazônicas.
É importante destacar que as Secretarias Municipais de Educação do estado do Amazonas têm um papel fundamental na tradução e na adequação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96).
A LDB/96 determina o direito à educação para todos, independentemente da idade e da localidade onde as pessoas vivem.
Vista da frente da comunidade Boa Esperança, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas. Foto: Edu Coelho.
No que diz respeito às áreas rurais do Amazonas, em complemento às ações existentes, a principal medida para o ajuste às novas diretrizes foi a adoção do modelo de escolas nucleadas, ou escolas-polo.
As escolas nucleadas ou escolas-polo consistem em reunir, em uma única escola, alunos provenientes de escolas pequenas, com menos de 21 alunos.
Para tanto, as escolas menores são fechadas e os estudantes são transferidos para as chamadas escolas nucleadas. Essa política tem influenciado no fechamento e escolas pequenas, com efeito direto no ensino multisseriado. O ensino multisseriado ocorre quando há oferta simultânea de diversas séries escolares em uma única sala de aula e diferentes disciplinas são geralmente ministradas por um único professor.
A aplicação da LDB/96, a qual prevê a igualdade do ensino em todo o país, teve reflexos diretos no cotidiano dos estudantes residentes nas rurais do estado do Amazonas. A gestão pública do Amazonas não considerou as características próprias do espaço e do tempo amazônicos, como as diferenças na duração e no modo de deslocamento, sujeitas à época do ano e que obrigam os alunos a buscarem estudo longe de seus domicílios. A migração ou o deslocamento de uma criança ou jovem não é um projeto individual. É uma mudança que, necessariamente, interfere nas estratégias de organização da vida em família e, em maior escala, da vida em sociedade. Ou seja, a garantia do acesso à escola próximo ao domicílio em que se vive, além de se fazer cumprir o direito à educação, visa à manutenção das características e tradições locais.
A promulgação da LDB/96 também proporcionou o desenvolvimento de outras estratégias para garantir o acesso à educação básica em áreas rurais. Destaca-se a organização e o fortalecimento da oferta de ensino para jovens e adultos. A modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA), também prevista no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, deve ter seu oferecimento público garantido pelo Estado desde que haja demanda para tal. Nas áreas rurais, onde há maior prevalência de analfabetismo e escolaridade básica incompleta, a oferta desse tipo de ensino é especialmente necessária. No entanto, segundo relatório da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), apenas 9% das escolas rurais do estado do Amazonas ofereciam a modalidade de EJA.
Para entender melhor a realidade escolar em áreas rurais do estado Amazonas, nosso estudo analisou informações referente ao contexto escolar de 69 comunidades rurais situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDS Amanã), uma unidade de conservação localizada no estado do Amazonas. As informações analisadas são oriundas de uma base de dados secundária referente ao levantamento sociodemográfico realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) em 2018 na RDS Amanã.
Escola pólo na comunidade Santa Tereza, Maraã, Amazonas. Foto: SIMDE 2018.
Nas comunidades da RDS Amanã predomina a modalidade de ensino multisseriado, enquanto o EJA e o ensino tecnológico televisionado estão em menor abrangência.
Em 2018, o EJA foi ofertado em 17 comunidades, e as Escolas Polos, que concentram o ensino tecnológico televisionado, foram ofertadas somente em oito comunidades, situação longe da ideal.
O cenário educacional mostra que em apenas 50 escolas os alunos tiveram aula naquele ano. Deste total, 46 possuem escola com prédio próprio, e, em outras quatro, as aulas funcionaram no domicílio de algum morador, na igreja ou no centro comunitário. Do total de comunidades analisadas em 2018, em 19 delas não ocorreram aulas, e as crianças moradoras precisaram se deslocar para comunidades próximas que ofertavam aulas.
Cenário educacional na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas. Créditos: Conexões Amazônicas.
As políticas divergem também quanto à infraestrutura social necessária à sua implementação, como acesso à água e energia, por exemplo. Para o funcionamento da modalidade de ensino por mediação tecnológica, é essencial o acesso ao serviço de energia. Porém, os dados do estudo apontam para a ausência desse serviço na maioria das comunidades e para o acesso precário em outras partes, ocasionando irregularidade no calendário escolar.
O modelo de escolas nucleares também apresenta desencontros na sua aplicação: a falta de transporte adequado e irregularidade de combustível para deslocar os estudantes entre as comunidades comprometem a frequência escolar. É comum ouvir relatos de pais que assumiram mais esta responsabilidade.
Todos esses aspectos servem como indicadores importantes sobre o contexto social das populações ribeirinhas no estado do Amazonas. As políticas públicas educacionais indicadas em nosso estudo estão contribuindo para a população rural ampliar suas expectativas de melhores condições de vida. No entanto, tais políticas mostram inadequações e, por isso, deve-se considerar a necessidade de estudos que façam o monitoramento e a avaliação da implementação de políticas e programas, gerando boas práticas de governança dos investimentos públicos e promovendo seus ajustes para o contexto ribeirinho amazônico.
Ciência se faz com parceria
Este estudo só foi possível graças às contribuições e ao apoio das seguintes pessoas: Ana Claudeise Silva do Nascimento, Edila Arnaud Ferreira Moura, Dávila Suelen Souza Corrêa e Hudson Cruz das Chagas. Para a realização deste estudo, recebemos financiamento do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), Organização Social fomentada e supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Quer saber mais? Acesse os materiais abaixo!
Artigos científicos:
Jardim, C. M., Oliveira, J. A. 2017. As políticas públicas educacionais e as especificidades regionais nas zonas rurais do Amazonas. In: VIII Jornada Internacional Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. São Luiz: UFMA. (acesse aqui)
Ireland, T. D. 2012. Educação de Jovens e Adultos como política pública no Brasil (2004-2010): os desafios da desigualdade e diversidade. Rizoma Freireano, 13: 93-110. (acesse aqui)
Sobre a autora
Heloísa Corrêa Pereira é demógrafa e pesquisadora titular no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e membro do Grupo de Pesquisa Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia. Veja mais na Plataforma Lattes e no ResearchGate.
Foto: Bernardo Oliveira.